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'Vou passar o Natal com ossinhos doados', diz desempregada que enfrentou fila de doação em Cuiabá

Por Redação em 24/12/2021 às 16:33:34
Regina, à direita, e amiga aguardam a doação de alimentos e produtos de limpeza na "fila dos ossinhos"

Regina, à direita, e amiga aguardam a doação de alimentos e produtos de limpeza na "fila dos ossinhos"

Aposentados com renda consumida em remédios, pessoas sem benefícios sociais e trabalhadores que se viram sem saída e recorreram às doações para terem o que comer.


A procura por doações na fila dos ossinhos reuniu mais de 400 famílias na frente do açougue no bairro CPA 2, em Cuiabá, nesta quinta-feira (23). 'Vou passar o Natal com ossinhos doados', disse a desempregada 'Regina Santa que enfrenta a fila toda segunda e quinta-feira, pela manhã.

Tímida e acompanhada de uma amiga, Regina, de 41 anos, trabalhava como cozinheira em um restaurante antes da pandemia da Covid-19 e foi dispensada. Ela sofreu diretamente os impactos da crise econômica.

A filha de Regina tem microcefalia, o que impede ela de trabalhar. Desempregada e morando próximo à fila dos ossinhos, ela recorreu às doações para ter o que comer em casa junto da filha, porque os benefícios sociais que ganhavam, foram cortados.

"Eu tenho uma filha com microcefalia e a pensão dela foi cortada quando começou a pandemia. Eu não posso trabalhar porque tenho que ficar cuidando dela e, então, eu venho pra fila do ossinho", contou.

Ela disse que deixou a filha com a vizinha e foi para a fila, como tem feito desde o começo da pandemia. Regina divide a cesta básica com a amiga.

"O ossinho a gente come uma ou duas vezes, e o sacolão a gente divide. Dura duas semanas", disse.

Ela ainda falou que chega de madrugada para evitar ficar exposta ao sereno da manhã ou ao sol forte. Com o auxílio cortado, sem emprego e sem renda, Regina tem vivido de favor.

"Eu fico triste, porque eu olho e vejo que não tem para onde correr. É muito complicado você ter uma filha e não poder dar alguma coisa que ela gostaria de ter. Quando vejo que tem um benefício como esse, fico feliz, porque sei que vou ter o que levar para casa. Vou passar o Natal com ossinho e agradecendo a Deus", disse.

Ela espera que as autoridades políticas olhem para as pessoas na "fila dos ossinhos". "Porque a coisa mais difícil é ouvir seu filho pedindo leite e você não tem para dar. Pede uma bolacha e não tem. Essa é a maior dificuldade. Espero que as autoridades pensem mais na gente", afirmou.


Maria de Lurdes, 65 anos, aguarda na "fila dos ossinhos" sentada do outro lado da rua, em Cuiabá — Foto: Rogério Júnior/g1 MT
Maria de Lurdes, 65 anos, aguarda na "fila dos ossinhos" sentada do outro lado da rua, em Cuiabá


Desde julho deste ano, a fila de pessoas necessitando de doações vem aumentando na pandemia, com o agravamento da crise econômica, alta da inflação e do desemprego. O açougue realiza doações de ossinhos há dez anos, mas com a pandemia, o número de pessoas na fila aumentou significativamente.

Das 400 famílias na fila, nesta quinta (23), o g1 ouviu cinco pessoas que enfrentam situações adversas.

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Sebastião da Costa, 70 anos, entregou carnes no açougue onde hoje está aguardando doação — Foto: Rogério Júnior/g1 MT
Sebastião da Costa, 70 anos, entregou carnes no açougue onde hoje está aguardando doação


Entregador de carnes agora depende de doações

O aposentado Sebastião da Costa, de 70 anos, foi produtor rural e trabalhou como motorista de distribuição de carnes há mais de duas décadas, em Cuiabá. Ele atendeu, inclusive, o açougue do bairro CPA 2, onde agora estava na fila, aguardando por um sacolão de alimentos e produtos de limpeza.

Ele contou ao g1 que com o valor da aposentadoria gasta em remédios e tratamentos porque tem pedra nos rins, e não sobra para comprar comida. Ele resolveu ir pegar uma doação junto com os amigos.

"Eu trabalhei entregando carne há 25 anos aqui em Cuiabá. Aí eu parei porque me aposentei e também não aguentava mais carregar aqueles sacos de 65 kg. Mesmo com um companheiro era pesado", disse.

Sebastião começou a frequentar a fila no final de novembro. Ele comparece sempre às 4h30 da manhã, na segunda e na quinta-feira.


Maria de Lurdes, 65 anos, veio à fila escondida do filho — Foto: Rogério Júnior/g1 MT
Maria de Lurdes, 65 anos, veio à fila escondida do filho


Mãe sai escondida de casa para pegar sacolão de alimentos

A aposentada Maria de Lurdes, de 65 anos, tem enfrentado um câncer que tomou conta de seu corpo há alguns anos e, com tratamentos e remédios que consomem a renda da sua aposentadoria, viu a fila de doações como uma oportunidade para voltar a comer carne.

Mas, para isso, ela precisou levantar às 5h15 e sair escondida do filho.

"Eu tenho três filhos. Um deles faz de tudo para não me deixar vir aqui porque ele acha que eu não dou conta. Eu saí escondida dele. Eu estou doente e ele acha que não posso vir aqui. Mas estou me sentindo bem", disse ao g1.


Maria de Lurdes chegou às 5h15 na fila — Foto: Rogério Júnior/g1 MT
Maria de Lurdes chegou às 5h15 na fila


Ela contou que o câncer já se espalhou pelo corpo todo e tem feito tratamento no Hospital do Câncer. Por causa dos remédios e do tratamento, ela acabou ficando três meses sem sentir vontade de comer. A família achou que ela iria morrer de desnutrição. Contudo, ela reduziu a carga de medicamentos e voltou com uma fome voraz por carne.

"Eu vim porque eu estou precisando. Tenho visto muitos amigos aqui, conhecidos, mas que viram a cara quando veem que estou olhando. Mas a gente precisa estar aqui", contou.

Por conta da doença e da idade, Maria ficou em um canto isolada da fila, sentada em um muro do outro lado da rua. Mas quando a fila começou a andar, ela não teve escolha e precisou ficar de pé até receber o sacolão de alimentos.


Evellyn e a bisavó Ana aguardando na "fila dos ossinhos" nesta quinta-feira (23) — Foto: Rogério Júnior/g1 MT
Evellyn e a bisavó Ana aguardando na "fila dos ossinhos" nesta quinta-feira (23)


Trabalhadora e independente, bisavó e bisneta nunca se viram dependendo dos outros

Evellyn Ribeiro Martins, de 27 anos, trabalhava em uma lanchonete antes da pandemia. Dispensada por conta do impacto financeiro e do fechamento dos serviços durante a fase aguda da pandemia, Evellyn não conseguiu mais emprego desde então.

Quando encontrou um serviço, ela foi novamente dispensada, mas por outra razão: durante os exames de sangue para ser admitida, descobriu que estava grávida do segundo filho.

Evellyn estava acompanhada da bisavó, Ana Lúcia, de 63 anos, que trabalhou na roça fazendo farinha e rapadura há anos, e nunca precisou depender de ninguém para nada. Ana contou que se sente humilhada e disse que não precisava estar ali, mas a situação financeira complicou.

"Eu sempre fui independente. Esse ano foi a primeira vez que vim aqui porque sempre batalhei por conta própria, mas as coisas se complicaram. Eu sinto vergonha, eu acho humilhante. Tenho problemas nas costas e também tive um quadro de depressão. Isso me atrapalhou a trabalhar, pois sempre gostei de ser independente. Nunca me vi nessa situação", disse emocionada.

Ana disse que sempre trabalhou e, quando precisou se aposentar por invalidez e auxílio doença, não conseguiu.

"Já trabalhei uma vida inteira e quando cheguei no direito de ter uma vida digna, tive meu auxílio doença cortado e não consegui aposentar por invalidez. Por isso eu choro, porque sempre fui trabalhadora, me orgulho disso. Mas eu choro porque corri atrás dos meus direitos e não tive acesso. Essa é a minha tristeza", desabafou.

Para a bisneta Evellyn, as autoridades poderiam olhar para fila com mais consideração, porque as pessoas que estão na fila não queriam estar ali.

"Acho que deveriam olhar mais para as pessoas. Ninguém queria estar aqui. Você vê aí muitas mães com crianças na chuva e expostas ainda mais nessa pandemia. É humilhante, mas a gente está porque precisamos. Na verdade, eu não queria estar aqui", disse.

Ana também segue na mesma lógica.

"Eu sinto vergonha ter que depender dos outros. Deus conhece meu coração e sabe que não é orgulho, é só que eu queria uma vida digna", afirmou.

Fonte: G1

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