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Caso João Alberto: o que se sabe um ano depois do assassinato em supermercado de Porto Alegre

Por Redação em 19/11/2021 às 03:25:04
Seis pessoas são rés por homicídio triplamente qualificado com dolo eventual. Justiça realiza audiências de instrução do caso. Câmera de segurança mostra início da confusão antes do assassinato brutal de João Alberto

Completa um ano, nesta sexta-feira (19), da morte de João Alberto Silveira Freitas, homem negro espancado em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre. O caso, que provocou o indiciamento e a denúncia de seis pessoas por homicídio triplamente qualificado, tramita em segredo de Justiça.

Atualmente, dois seguranças estão presos, enquanto quatro funcionários do supermercado aguardam o julgamento em liberdade. Veja abaixo o que dizem as defesas.

Entre novembro e dezembro deste ano, o 2º Juízo da 2ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre promove audiências de instrução do caso. Nessa etapa, o tribunal ouve testemunhas, acusados, peritos e outras pessoas a fim de colher provas orais.

Essas seis pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público por homicídio triplamente qualificado com dolo eventual (motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima). A promotoria incluiu ainda o racismo como forma da qualificação por motivo torpe.

"É um caso de abordagem em estabelecimento comercial com abuso no emprego da violência precedido de uma situação de vigilância extremada, de um comportamento que não está justificado pelos fatos ocorridos no dia", diz o promotor André Martinez.

Montagem com imagens da agressão de João Alberto

Arte/G1

O Carrefour afirma que adotou medidas de combate ao racismo, com a implementação de um novo sistema de segurança, com o fim da terceirização e a contratação de agentes próprios, o treinamento dos profissionais, o uso de câmeras nos uniformes e critérios de diversidade para compor o efetivo das lojas.

A empresa diz ter aplicado R$ 115 milhões em ações firmadas pelo termo de ajustamento de conduta junto às autoridades, além de um Fundo Antirracista de R$ 29 milhões.

"Essa tragédia em Porto Alegre trouxe para a gente grandes aprendizados", afirma Claudionor Alves, diretor de Segurança Corporativa do Carrefour.

A viúva de João Alberto, Milena Alves, foi indenizada pela empresa em valor não divulgado, mas superior R$ 1 milhão. A empresa pagou outras oito indenizações aos demais familiares, entre eles o pai, filhos e a enteada de João Alberto.

'Não sei como vai ser', diz viúva de João Alberto

Já a empresa Vector, terceirizada responsável pela segurança do estabelecimento na época, assinou um termo de ajustamento de conduta, no qual se compromete a adotar medidas internas e externas de combate ao racismo. Leia nota abaixo.

Crime ocorreu em loja do Carrefour no bairro Passo D'Areia, na Zona Norte de Porto Alegre

Nathalia King/RBS TV

O que dizem as defesas

Os réus são os seguranças Giovane Gaspar da Silva e Magno Braz Borges, além de quatro funcionários do supermercado, Adriana Alves Dutra, Paulo Francisco da Silva, Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende.

Os advogados de Giovani Gaspar da Silva e Rafael Rezende afirmam que foram deferidas "prisões cautelares sem fundamento concreto" no decorrer do processo e que a defesa aguarda os resultados de laudos periciais que apontem a causa da morte de João Alberto. "O povo será o juiz do caso Carrefour/João Alberto, e a verdade sobre a causa mortis será devidamente esclarecida e avaliada", dizem os representantes dos réus, David Leal e Jader Santos.

A defesa de Giovani já pediu habeas corpus, para que ele seja solto, mas foi negado pelo Supremo Tribunal Federal. O ex-policial militar temporário foi expulso da Brigada Militar e disse, em entrevista à RBS TV, que achou que João Alberto "estivesse encenando".

O advogado de Magno Braz Borges disse acreditar que os depoimentos de testemunhas demonstram que o caso não deve ser visto ou analisado pelas informações iniciais, uma vez que novas informações surgem, modificando aquele cenário.

O representante de Adriana Alves Dutra diz que a tese da defesa está se concretizando, no sentido de que a fiscal não tinha o domínio do fato, ou seja, que ela teria poder de mando. "As nossas testemunhas de defesa já deram um norte de que isso realmente não acontecia", apontou o advogado Pedro Catão em entrevista à RBS TV.

A defesa de Paulo Francisco da Silva diz que o réu "não teve qualquer participação no lamentável acontecimento que ceifou a vida da vítima João Aberto Freitas" e reitera que o acusado é negro. "Desejam enclausurar mais um negro nas masmorras do nosso falido sistema penitenciário", afirma Renan Jung.

O advogado de Kleiton Silva Santos afirma ter convicção de que o cliente não é culpado pelo homicídio de João Alberto e responsabiliza a empresa pelo ocorrido. "Desceu para dar apoio a seus colegas por medo de ser demitido", afirma Márcio Hartmann.

As íntegras dos posicionamentos dos representantes dos réus podem ser lidas no fim da reportagem.

Unidade do Carrefour, em Porto Alegre

Max Corrêa/RBS TV

O caso

João Alberto, de 40 anos, foi agredido por seguranças do hipermercado, localizado no bairro Passo D'Areia, na Zona Norte de Porto Alegre. O crime ocorreu na noite de 19 de novembro de 2020, na véspera do Dia da Consciência Negra.

Nos dias seguintes ao ocorrido, manifestantes protestaram contra o racismo em Porto Alegre e em outras cidades do Brasil.

O inquérito policial foi concluído no dia 11 de dezembro de 2020. Para a Polícia Civil, foi possível identificar que houve um exagero nas agressões impostas à vítima, sendo resultado da fragilidade socioeconômica de João Alberto.

"Nós fizemos uma análise conjuntural de todos os aspectos probatórios e doutrinários e concluímos, portanto, que o racismo estrutural que são aquelas concepções arraigadas na sociedade foram sim, fundamentais, no determinar da conduta dessas pessoas naquele caso", disse a delegada Roberta Bertoldo na época.

VÍDEO: Inquérito da Polícia Civil do RS cita racismo estrutural para explicar agressão contra cidadão negro

Além dos seguranças agressores, o inquérito aponta que os outros quatro indiciados contribuíram para a morte por manterem os populares e a esposa da vítima afastados, inviabilizando qualquer ajuda à vítima.

Em agosto, a polícia promoveu duas noites de reconstituição do caso na loja do Carrefour no bairro Passo D'Areia. A primeira noite simulou as versões apresentadas por oito das nove testemunhas do caso. Já a segunda reprodução se concentrou nas versões dos réus.

Reprodução simulada dos fatos sobre a morte de João Alberto, no Carrefour, em Porto Alegre

Nathalia King/RBS TV

Posicionamentos das partes:

Nota da defesa de Giovani Gaspar da Silva e Rafael Rezende:

"Na investigação da Polícia Civil do RS, que teve início com a ocorrência do dia 19 de novembro de 2020, envolvendo a morte de João Alberto Freitas, resultando no indiciamento de seis trabalhadores (seguranças e fiscais), foram adotadas linhas de entendimento que acabaram passando longe de hipóteses cruciais ao esclarecimento da causa mortis. Com o propósito de investigar possíveis causas mortis não abordadas pela investigação, de acordo com o provimento 188/2018, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 54, V, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB, procedemos à investigação defensiva, levando em consideração o primado da prova técnica. Sabíamos que não tanto a exposição midiática e o honroso dia da consciência negra e da luta antirracista que promoveram a enorme influência no inquérito e os protestos ocorridos em todo o Brasil, mas principalmente as eleições municipais (sobretudo diante do fato de as forças políticas estarem organizadas à espera de fatos úteis ao processo eleitoral), a exemplo de os candidatos tanto de esquerda quanto de direita prestarem homenagem a João Alberto (típica razão cínica). Ponto positivo foi o fato de o problema do racismo no Brasil ser colocado como pauta central dos debates políticos dos candidatos naquela e das próximas eleições. Ponto prejudicial à defesa: esse detalhe resultou em medidas autoritárias impostas aos réus, como prisões cautelares sem fundamento concreto, revelando o real motivo de os magistrados e magistradas guardarem grande receio de proferir uma decisão liberatória. Após transcorrer um ano do fato, a instrução do caso Carrefour vai se aproximando do fim. Faltam poucas, mas algumas testemunhas ainda serão ouvidas e aguardamos o retorno do laudo toxicológico complementar e do laudo da reprodução simulada dos fatos. Tudo transcorre com agilidade acima do comum, mas, mesmo com esforço do Poder Público, algumas provas exigem tempo e o IGP é um órgão demandado por diversos outros (polícia, judiciário, Ministério Público, defesa, etc.). Essas provas, no entanto, são de extrema importância para saber o que realmente levou João Alberto a óbito. Cada vez mais o caso se afasta das acusações iniciais e panfletárias. Já é possível entender pelos documentos do processo que João Alberto era um sujeito com problemas com bebida alcóolica e com drogadição. Um dos méritos das defesas, com apoio dos peritos, foi alertar para os pontos não explorados pela polícia judiciária, e essa abordagem auxiliou na descoberta do TOLUENO no sangue de João Alberto. Já tivemos audiência com a principal testemunha do caso que depôs e confirmou que a vítima era alguém com problemas na vizinhança. Essa mesma testemunha relatou que lançou uma pedra contra João Alberto na manhã do fato para poder se defender, o que gerou o corte no queixo de João Alberto. Esse relato foi o que permitiu avançar na investigação defensiva e descobrir a origem de outras substâncias e até mesmo o hospital em que João Alberto foi atendido naquele dia. Foram cinco substâncias encontradas, as quais potencializam as chacines de ataque cardíaco e asfixia. Então, João Alberto era uma bomba relógio prestes a explodir: adrenalina, obesidade, excesso de esforço físico, tolueno, etc. somando-se tudo estamos diante da combinação suficiente para o óbito. Basta comparar com alguém saudável que faz uma atividade física até não suportar mais. A sensação que qualquer um tem é a de que vai morrer pela falta de ar. Imagine-se alguém sob o efeito de todas essas substâncias. Todos esses aspectos serão ainda submetidos aos jurados, na hipótese de meus clientes serem pronunciados. Pela repercussão do caso, tudo indica que irão. O povo será o juiz do caso Carrefour/João Alberto, e a verdade sobre a causa mortis será devidamente esclarecida e avaliada."

Nota da defesa de Paulo Francisco da Silva:

"No atual momento, a Defesa aguarda a realização das audiências já designadas para os meses de novembro e dezembro deste ano. A Defesa reitera que Paulo Francisco não teve qualquer participação no lamentável acontecimento que ceifou a vida da vítima João Aberto Freitas. Paulo foi chamado via rádio, seguindo ordens de seus superiores hierárquicos, e chegou ao local dos fatos já ao final do desenrolar de toda a situação. Em momento algum agrediu ou mesmo tocou a vítima, exceto quando foi verificar seus sinais, a fim de prestar os primeiros socorros. Por fim, a Defesa salienta que Paulo é pessoa NEGRA, sua esposa é NEGRA, seus filhos são NEGROS, seus familiares são NEGROS, seus melhores amigos são NEGROS, sendo, portanto, absurda a acusação por, supostamente, dar causa a um homicídio motivado pelo racismo, cujas autoridades que o acusam são, em totalidade, de cor branca, e que agora, ao que parece, para buscar reconhecimento da mídia e autopromoção, desejam enclausurar mais um negro nas masmorras do nosso falido sistema penitenciário."

Nota da defesa de Kleiton Silva Santos:

"A defesa de Kleiton Silva Santos está convencida de que ele não cometeu o crime de homicídio conforme a denúncia do MP/RS. Infelizmente o Ministério Público agiu com excesso de acusação. A defesa já consegue concluir, a partir dos depoimentos das testemunhas trazidas aos autos, que o ambiente de trabalho do Carrefour era extremamente autoritário e tóxico, pois Kleiton desceu para dar apoio a seus colegas por medo de ser demitido. Temos depoimentos de ex-funcionários do hipermercado que informaram que qualquer deslize, ir ao banheiro sem autorização prévia por exemplo, gerava advertências e suspensões, sem falar em funcionários sem treinamento algum para situações como a que vitimou João Alberto. Infelizmente a Delegada de Polícia e o Ministério Público deixaram de trazer aos autos os diretores e gerentes responsáveis pela loja, os quais davam ordens para que os funcionários segurassem as pessoas até a chegada da Policia Militar em situações de desinteligência como a ocorrida com João Alberto. Kleiton foi chamado por sua superior hierárquica para descer ao local dos fatos via rádio. Quando chegou, deparou-se com outros dois colegas, funcionários da Vector, que, em tese, tinham treinamento para atuar na situação. Com tudo isso, somado àquele ambiente autoritário do Carrefour, Kleiton se viu obrigado, mesmo sem saber ao certo o que estava acontecendo, a conter os populares e dar o devido apoio aos colegas de trabalho. Por óbvio Kleiton não teve a intenção de causar dano algum à vitima, mas com medo de perder seu emprego em plena pandemia agiu com medo da demissão. Agora o Ministério Público quer sua prisão. Importante ressaltar que Kleiton não possui antecedentes policiais nem judiciais e nenhum fato que desabone sua conduta de cidadão digno e honrado. Importante também informar que o ambiente de trabalho do Carrefour era péssimo, pois não houve treinamento algum a seus funcionário, mas sim a exigência de responsabilidades, o que não faz sentido. Kleiton nunca recebeu treinamento para agir em situações como as que vitimaram João Alberto. É um rapaz de 22 anos de idade, sem experiência de trabalho, pois nunca havia trabalhado como fiscal de loja. Quanto ao crime de racismo, esse deve ser rechaçado dos autos, pois até o presente momento não há nenhum indício de que os funcionários tenham agido com cunho preconceituoso. Kleiton é filho de mãe negra do interior do Estado de Alagoas e sabe o que é sentir o racismo na pele e jamais descriminou alguém por conta de raça, cor, credo ou orientação sexual. A defesa de Kleiton espera que a empresa Carrefour seja responsabilizada por seus atos, pois não treinaram seus funcionários, proporcionaram um ambiente de trabalho autoritário e abusivo, que culminou com a trágica morte de João Alberto, sendo a empresa Carrefour a menos responsabilizada por esse fato, inclusive assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com Ministério Publico do Trabalho. Não é à toa que os principais fatos de grande repercussão de abusos de funcionários e com funcionários ocorrem dentro das dependências desse mercado a nível nacional."

Nota da empresa Vector:

"Como uma empresa que valoriza a vida, ao nos depararmos com os acontecimentos de 2020 escolhemos o único caminho que acreditamos ser compatível aos nossos valores: a transparência. Desde o ocorrido em 19/11/2020 a Vector tem se colocado à disposição da justiça para, diante de um fato sem precedentes no histórico da empresa, atuar na reparação por danos sociais e morais de alcance coletivo. O Grupo reitera que desde os acontecimentos de 2020 tem trabalhado ativamente nos seus processos de seleção, treinamento e suporte psicológico. Também implementou novos protocolos de segurança para reforçar seu compromisso com a garantia do bem-estar público. Ampliou seu olhar sobre diversidade e combate a qualquer tipo de preconceito. Trabalha ativamente para corrigir o que se faça necessário para vir a ser reconhecida como uma empresa referência de valor à vida. Recentemente assinou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Educafro - Educação e cidadania de afrodescendentes e carentes, e Centro Santo Dias de Direitos Humanos, associação civil sem fins lucrativos. A Vector está plenamente comprometida com as ações a seguir: Criamos uma ouvidoria independente, destinada ao acolhimento dos casos de racismo, violência e/ou discriminação. Campanhas internas para o combate ao racismo estrutural e o respeito à diversidade de gênero são realizadas constantemente dentro da empresa. Realizamos reciclagens com nossa equipe e estimulamos a reflexão em grupo dos seguintes temas: diversidade, combate ao racismo estrutural, maus tratos a animais e a importância da abordagem cordial. Conscientização da prática antirracista para empresas que atuam no setor do varejo. Campanhas de conscientização para empresas que contratam os serviços da área de segurança privada. Palestras e seminários sobre a conscientização da prática antirracista para empresas e clientes de terceirização de serviços. Não basta apoiar a diversidade. É preciso ser antirracista. Por isso, realizaremos campanha antirracismo anual em feiras voltadas para a área de segurança. Refletiremos juntos em seminários anuais com varejistas que contratam serviços terceirizados para conscientização da prática antirracismo. Investimento em ações sociais de R$ 1.792.000,00 (um milhão setecentos e noventa e dois mil reais) destinadas ao futuro daqueles que precisam de nosso auxílio. Distribuição de Bolsas de permanência e alimentação para acolhimento de crianças de famílias afrodescendentes em creches, permitindo que as mães e pais possam trabalhar e estudar; a pessoas afrodescendentes estudantes em graduação; compra de cestas básicas a serem distribuídas mensalmente. O total de investimentos em ações sociais e educacionais, com finalidade de promoção pela igualdade racial, tanto internamente como externamente será de aproximadamente R$ 3.000.000,00. É com satisfação que noticia o compromisso firmado, entretanto, com grande pesar, ao rememorar o fato ocorrido que jamais será esquecido. Servirá como exemplo do que não deve ser permitido. É necessária a união de todos os esforços possíveis para o enfrentamento do racismo estrutural em nossa nação. Mesmo sendo combatido há séculos, necessita de um comprometimento cada vez maior por cada um de nós."

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Fonte: G1

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