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Nas regiões ocupadas pela Rússia, civis ucranianos são detidos sem motivo aparente

Por Redação em 28/01/2023 às 04:07:36
Estima-se que 20 mil pessoas tenham sido presas pelos russos desde início da ocupação. Parentes de prisioneiros civis participam de uma ação no centro de Kyiv, Ucrânia, sábado, 24 de dezembro de 2022.

Civilians in captivity via AP

Alina Kapatsyna sempre sonha que recebe um telefonema de sua mãe. Nessas visões, sua mãe diz que ela está voltando para casa.

Homens em uniformes militares levaram Vita Hannych, de 45 anos, para longe de casa no leste da Ucrânia em abril. Ela nunca voltou.

Sua família soube mais tarde que Hannych, que há muito sofre de convulsões por causa de um cisto cerebral, está sob custódia na parte ocupada pelos russos da região de Donetsk.

Kapatsyna disse à Associated Press que ainda não está claro por que sua mãe, "uma pessoa pacífica, civil e doente" que nunca segurou uma arma, foi detida.

Hannych é uma das centenas — e talvez milhares — de civis ucranianos que se acredita terem sido detidos pelas forças russas após a invasão. Alguns são considerados prisioneiros de guerra, embora nunca tenham participado dos combates. Outros estão em uma espécie de limbo legal — não enfrentam nenhuma acusação criminal ou são considerados prisioneiros de guerra.

Hannych vestia apenas um moletom e chinelos quando foi capturada pelas forças russas, que ocuparam o vilarejo de Volodymyrivka várias semanas após a invasão, em fevereiro. A região ainda está sob o controle de Moscou.

Sua família inicialmente pensou que ela voltaria para casa em breve. As forças russas eram conhecidas por deterem pessoas por dois ou três dias para "filtração" e depois liberá-las, disse Kapatsyna, e Hannych não tinha conexões militares ou policiais.

Como ela não foi liberada, Kapatsyna e sua avó de 70 anos iniciaram uma busca. A princípio, cartas e visitas a vários funcionários e órgãos governamentais instalados pela Rússia na região de Donetsk não produziram resultados.

"As respostas de todos os lugares foram as mesmas: 'Nós não a levamos embora'. Quem a levou então, se ninguém a levou?" questionou Kapatsyna, que deixou a vila em março e foi para a cidade de Dnipro, controlada pela Ucrânia.

Tempos depois, elas conseguiram algum esclarecimento: Hannych foi presa em Olenivka, outra cidade controlada pela Rússia, de acordo com uma carta do escritório do promotor russo em Donetsk.

A equipe da prisão disse à avó de Kapatsyna que Hannych era uma franco-atiradora, alegações que sua família considera absurdas, dada a condição dela. Os registros médicos vistos pela AP confirmam que a ucraniana tem um cisto cerebral, bem como "encefalopatia residual" e "ataques convulsivos gerais".

Alina Kapatsyna segura um pôster que diz: "Traga minha mãe de volta do cativeiro", escrito em ucraniano, em Dnipro, Ucrânia, sexta-feira, 6 de janeiro de 2023.

AP Photo/Hanna Arhirova

Anna Vorosheva, que passou 100 dias na mesma instalação que Hannych, relatou condições miseráveis ??e desumanas: água potável pútrida, sem aquecimento ou chuveiros, tendo que dormir em turnos e ouvir novos prisioneiros gritando por serem espancados. Vorosheva disse que não foi informada do porquê foi detida.

"Fique feliz por não estarmos vencendo você", disseram os oficiais russos à Vorosheva.

As autoridades de Donetsk rotularam Hannych de prisioneira de guerra e recentemente disseram à família que ela está presa na cidade ocupada de Mariupol. Ainda não está claro quando e se ela poderá ser libertada.

"Seu status legal é simplesmente de refém"

A principal organização de direitos humanos da Ucrânia, o Centro de Liberdades Civis, tem pedidos relativos a cerca de 900 civis capturados pela Rússia desde o início da guerra, com mais da metade ainda sob custódia.

Dmytro Lubinets, embaixador de direitos humanos da Ucrânia, acredita que o número seja ainda maior: seu escritório alega ter recebido inquéritos sobre mais de 20.000 "reféns civis" detidos pela Rússia.

O advogado russo Leonid Solovyov disse à AP que acumulou mais de 100 pedidos relativos a civis ucranianos. Ele disse que conseguiu ajudar entre 30 e 40 pessoas a confirmarem que quem procuravam estava sob custódia russa sem nenhum status legal.

Um dos clientes de Solovyov é o estudante Mykyta Shkriabin. Da região de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, ele foi detido pelos militares da Rússia em março e, desde então, não recebeu acusações.

Shkriabin, então com 19 anos, estava se protegendo dos combates em um porão com sua família, de acordo com sua mãe, Tetiana. Em dado momento, ele saiu para comprar suprimentos — e nunca mais voltou.

Tetiana Shkriabina disse à AP que soube por testemunhas que soldados russos o prenderam.

Meses depois, Solovyov obteve a confirmação do Ministério da Defesa da Rússia de que Shkriabin foi detido por "resistir à operação militar especial". No entanto, o advogado afirma que este crime não existe na legislação russa. O ministério se recusou a revelar o paradeiro de Shkriabina.

Além disso, quando Solovyov apresentou uma queixa ao Comitê de Investigação da Rússia contestando a detenção, confirmou que não há investigações criminais abertas contra Shkriabin, que ele não é suspeito nem acusado.

"Seu status legal é simplesmente de refém", explicou.

O Ministério da Defesa da Rússia e o Ministério do Interior não responderam aos pedidos de comentários.

Outros casos são estranhamente semelhantes aos de Shkriabin e Hannych.

Outros casos

Em maio, as forças russas detiveram Iryna Horobtsova, especialista em tecnologia da informação, na cidade de Kherson, no sul, quando a área foi ocupada por Moscou. Eles invadiram seu apartamento, apreendendo um laptop, dois celulares e vários pen drives, e a levaram embora, segundo sua irmã, Elena Kornii. Os russos prometeram a seus pais que ela estaria em casa naquela noite, o que não aconteceu.

Horobtsova permaneceu na cidade e se manifestou contra a guerra nas redes sociais antes de ser detida, disse Kornii. Ela participou de protestos antirrússia e também ajudou os moradores levando-os ao trabalho ou encontrando medicamentos escassos.

"Ela não violou nenhuma lei ucraniana", disse Kornii, observando que sua irmã não tinha nada a ver com os militares.

O advogado de Horobtsova, Emil Kurbedinov, disse acreditar que as forças de segurança russas estavam realizando "expurgos dos desleais" em Kherson.

O advogado soube pelo Serviço Federal de Segurança da Rússia, ou FSB, que ela ainda estava sob custódia. O Ministério do Interior da Crimeia disse a ele que Horobtsova estava em um centro de detenção lá. Quando Kurbedinov tentou visitá-la, os funcionários se recusaram a reconhecer a presença de qualquer prisioneiro.

Quanto ao motivo de sua detenção, o advogado disse que as autoridades lhe disseram que "ela resistiu à operação militar especial e uma decisão a seu respeito será tomada quando a operação militar especial terminar".

Kurbedinov a descreveu como "presa ilegalmente".

Dmytro Orlov, prefeito da cidade ocupada de Enerhodar, na região de Zaporizhzhia, descreve o destino de seu vice da mesma forma — "uma detenção absolutamente arbitrária".

Ivan Samoydyuk foi capturado por soldados russos pouco depois de tomarem a Usina Nuclear de Zaporizhzhia em março, e nenhuma acusação foi feita contra ele, contou Orlov. "Não temos certeza se ele está vivo!" disse o prefeito.

"Se não conseguimos obter clareza dos russos sobre o destino de um vice-prefeito, imagine o destino dos civis ucranianos comuns", afirmou Orlov.

O que diz a lei

Mykhailo Savva, do Conselho de Especialistas do Centro de Liberdades Civis, disse que as Convenções de Genebra permitem que um estado detenha civis temporariamente em áreas ocupadas, mas "assim que o motivo que causou a detenção desse civil desaparecer, essa pessoa deve ser libertada".

"Sem condições especiais, sem trocas, apenas soltos", explicou Savva, observando que os civis não podem ser declarados prisioneiros de guerra sob a lei internacional.

A lei internacional proíbe que uma parte em conflito mova à força um civil para seu próprio território ou território que ocupa, e isso pode ser considerado um crime de guerra, disse Yulia Gorbunova, pesquisadora da organização Human Rights Watch.

Segundo ela, os prisioneiros de guerra podem ser trocados, mas não há mecanismo legal para a troca de não combatentes, complicando os esforços para libertar os civis do cativeiro.

Desde que a guerra começou, no entanto, Kiev conseguiu trazer alguns para casa: 132 civis foram trazidos de volta dos cativeiros russos em 2022, disse Andriy Yermak, chefe do gabinete presidencial da Ucrânia, em 8 de janeiro.

Lubinets, o embaixador ucraniano de direitos humanos, se reuniu este mês com sua contraparte russa, Tatyana Moskalkova. Ele disse que deu ao russo alguns dos nomes dos 20.000 civis ucranianos que estão sendo mantidos pela Rússia.

"O lado russo concordou em descobrir onde eles estão, em que condições e por que estão sendo mantidos", afirmou Lubinets.

Depois de obter essas informações, a questão "do procedimento para a devolução" será levantada.

Fonte: G1

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