Empresa Audiency capta sinal de internet de parte de emissoras de rádio e identifica certos trechos de áudio cadastrados no sistema; entenda funcionamento e limitações. O relatório apresentado pela campanha de Jair Bolsonaro (PL) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que alegou que emissoras do Nordeste veiculam menos anúncios dele do que de Lula (PT), é baseado em um sistema que não capta o sinal de rádio direto e pode não pegar todos os anúncios.
Na noite desta quarta-feira (26), Alexandre de Moraes, presidente do TSE, negou o pedido para investigar supostas irregularidades nestas inserções.
Entenda abaixo como funciona o monitoramento que foi apresentado, quais são suas limitações, e leia mais a seguir:
O monitoramento capta o sinal das rádios online, não a transmissão original;
as empresas não são obrigadas a transmitir as peças políticas na transmissão online;
o sistema identifica os trechos de áudio que forem cadastrados manualmente pela empresa. Se houver uma falta ou erro no cadastro, ele não é capaz de monitorar;
a captação pode ser afetada por falhas de sinal ou de retransmissão.
A Audiency, empresa que fez o relatório de Bolsonaro, oferece o serviço de monitorar a execução de músicas e anúncios em rádios. Os clientes são artistas ou empresas que querem saber como suas músicas ou anúncios estão sendo tocados nas rádios do país, em tempo real.
Alexandre de Moraes durante sessão no TSE
LR Moreira/Secom/TSE
Durante o período eleitoral, esse tipo de empresa também pode prestar serviço às campanhas políticas, a quem cabe monitorar as execuções de suas peças obrigatórias de rádio, segundo a lei eleitoral. Alexandre de Moraes cita em sua decisão essa responsabilidade da própria campanha de fiscalizar suas inserções.
A empresa não monitora o sinal de rádio diretamente. Ela capta a transmissão por internet (streaming) destas emissoras. Hoje é comum que as rádios repliquem suas programações na web, além de AM e FM. A Audiency diz monitorar mais de 7 mil rádios.
Os anúncios e o horário eleitoral são obrigatórios apenas nas transmissões de rádio, e não na reprodução em streaming na internet. Portanto, o relatório não é capaz de garantir que o conteúdo foi o mesmo na transmissão original.
Um caso semelhante acontece com a exibição obrigatória em rádio do programa A Voz do Brasil. Muitas emissoras optam por não reproduzir nas suas transmissões online, já que não é obrigada neste meio.
A decisão de Alexandre de Moraes cita este fato de que o monitoramento é online, não do próprio rádio:
"A metodologia indicada pelos autores, portanto, conforme expressamente por eles reconhecido, adota o acompanhamento de programação de rádio captada pela Internet (streaming), modalidade de transmissão que, como é sabido, não necessariamente veicula propaganda institucional obrigatória (vide o conhecido caso do programa A Voz do Brasil), o que também vale para a propaganda de natureza partidária e eleitoral", diz o presidente do TSE.
O relatório apresentado pela campanha de Bolsonaro ao TSE na terça-feira (25), tem detalhes das inserções de apenas oito emissoras, todas do Nordeste.
Na decisão que nega a investigação, Alexandre de Moraes destaca esta amostra limitada: "não obstante apontem “a existência de cerca de 5.000 (cinco mil) rádios no Brasil”, os autores abandonaram o pedido inicial e passaram a indicar uma "pequena amostragem de oito rádios”, o que representa 0,16 % do universo estatístico apontado."
Outro ponto em que o relatório pode ser limitado é no cadastro dos trechos a serem monitorados pelo sistema.
Este tipo de software funciona através de um cadastro: um trecho de áudio é inserido no sistema, que identifica as suas frequências sonoras e se torna capaz de detectar a reprodução destas frequências no meio de uma transmissão.
A tecnologia é semelhante à de aplicativos populares como o Shazam, que consegue identificar músicas que estão tocando em um ambiente - dentro de um banco de músicas já cadastradas no seu sistema.
Portanto, a Audiency deve ter cadastrados todos os anúncios da campanha do PT e do PL, para que possa identificar nas transmissões das rádios suas execuções.
O engenheiro Miguel de Andrade Freitas, do Centro de Pesquisas em Telecomunicações da PUC-Rio (CETUC/PUC-Rio), disse, em entrevista à jornalista Malu Gaspar, do jornal “O Globo”, que analisou trechos dos áudios encontrou vários anúncios de Bolsonaro que foram veiculados pela rádio Bispa, do Recife, e não estavam contabilizados pelo relatório do PL.
O diretor da Audiency, Anacleto Ortigara, disse, também para Malu Gaspar, que ele não encontrou estes anúncios no seu monitoramento pois eles não estavam cadastrados no sistema para este dia. Ele alega que eram anúncios antigos, que deveriam ser transmitidos em outros dias da campanha, por isso a Audiency não os buscou nem identificou nesta data (11 de outubro).
A decisão de Alexandre de Moraes também cita esta análise do engenheiro, segundo a qual a real inserção dos anúncios de Bolsonaro é, pelo menos, 69% maior do que a apontada no relatório:
"Os erros e inconsistências apresentados nessa "pequena amostragem de oito rádios" são patentes, tanto que constatados rapidamente em estudo realizado por Miguel Freitas, engenheiro professor do departamento de Telecomunicações da PUC/RJ, em 26/10/2022, ao analisar as inserções em uma das rádios apontada pelos autores", diz Alexandre de Moraes.
O g1 tentou contato com a Audiency para saber sobre a quantidade de peças cadastradas neste monitoramento, e como este cadastro era feito, mas não teve resposta.
Outra limitação é a de interferências na reprodução online das rádios que possam afetar o monitoramento. É o que aponta a Rádio Bispa, que alega que a Audiency usou reproduções de menor qualidade e, portanto, mais sujeitas a erros e interferências no monitoramento de áudio.
“O monitoramento da auditoria contratada é feito pelo site WebCash, mas basta ter uma instabilidade no sinal de internet que pode interferir no resultado da auditora. O ideal é que a auditoria fosse feita pelo streaming da própria rádio e diretamente pela frequência 98.7. A auditoria encomendada pelo candidato denunciante foi feita a partir de um site (RADIOS.COM.BR), que apenas replica a programação da internet de outras rádios, mas que têm falhas nessa retransmissão”, diz a empresa em nota.
“Esclarece que a rádio não foi procurada por qualquer auditoria. A rádio é obrigada por lei a veicular a inserção na frequência, mas não pelo site (internet). Por fim, a RÁDIO DA BISPA 98.7 FM reafirma que respeita as leis e que transmitiu as inserções de forma equânimes para ambos os candidatos no período mencionado”, também diz a Rádio Bispa.
