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Cinco anos após zika, crianças com microcefalia sofrem com falta de terapias e remédios devido ao novo coronavírus

Por Redação em 20/05/2020 às 06:03:32

Desamparadas, mães temem passar por uma pandemia após já terem sentido na pele os efeitos de uma epidemia. Sem remédios, mães de crianças com microcefalia têm mais dificuldade na quarentena

A vida de crianças que nasceram com microcefalia causada pela epidemia de zika, que ocorreu em 2015, é repleta de terapias, que garantem que elas se desenvolvam sem tanto prejuízo. Em Pernambuco, um dos locais mais afetados do país, há 421vítimas dessa má-formação. Há cinco anos, no estado, pelo menos 266 bebês nasceram com a Síndrome Congênita do Zika Vírus.

Em 2020, todas que sobreviveram à epidemia causada pelo Aedes aegypti tiveram os tratamentos interrompidos por causa da pandemia do novo coronavírus. Isso provocou ainda mais problemas para as famílias afetadas (veja vídeo acima).

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Uma dessas crianças é Kauan, filho de Jennifer Oliveira, de 26 anos. Eles moram em Nova Descoberta, comunidade da Zona Norte do Recife.

"A vontade que dá é de colocar ele numa bolinha de vidro e proteger de todo mal. Nossos filhos estão regredindo. Não vou dizer que em tudo, mas em uma parte, sim. É muito difícil estimular eles em casa, mas a gente faz o que pode. Meu maior medo é que Kauan precise usar uma sonda para se alimentar", disse Jennifer.

Jennifer Oliveira e o filho Kauan, de 5 anos, que tem microcefalia

Acervo pessoal

O menino, de 5 anos, faz terapias ocupacional, respiratória, motora e fonoaudiológica. Esse conjunto de tratamentos permite que ele até mesmo frequente a escola.

Mas tudo mudou em março deste ano, com uma das notícias mais temidas da vida de Jennifer Oliveira e de todos os que já sentiram os efeitos de uma epidemia: o coronavírus chegava a Pernambuco, com ares de pandemia.

A situação preocupa, principalmente, porque Jennifer, assim como mais da metade das mães de crianças com microcefalia, é de baixa renda. Faltam, além das terapias, remédios e acompanhamento médico.

Jennifer, que trabalhava como técnica em enfermagem, conseguiu receber R$ 1,2 mil do auxílio emergencial do governo federal. Para ela, esse valor representava muito no orçamento. Entretanto, hoje, ela e o filho sobrevivem, principalmente, com doações de outros familiares — a começar pela casa, cedida pela avó.

Em fevereiro, foi aprovada uma medida que concede pensão vitalícia a crianças com microcefalia causada pelo zika. Entretanto, só foi contemplado quem, antes, recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Kauan não teve direito porque, há três anos, o auxílio dele foi cortado, quando a mãe conseguiu um emprego, do qual logo precisou sair para cuidar do filho.

"Eu saí do emprego, porque não dava para conciliar o trabalho com os cuidados a ele, mas ele [benefício] já tinha sido cortado. Faz três anos que isso segue rolando e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não diz nada. Agora, na pandemia, é que não vão dizer mesmo", lamentou a mãe.

O dinheiro do auxílio, segundo Jennifer, foi utilizado, para além da sobrevivência dela e do filho, para a compra do remédio Levetiracetam, o Keppra, anticonvulsivo utilizado pela maioria das crianças com microcefalia. O medicamento, segundo a mãe de Kauan, é fornecido pelo governo do estado, mas há 3 meses está em falta na Farmácia do Estado.

"É muito caro, mais de R$ 100, um vidro. Eu comprei, porque ele não pode ficar sem. Ele também está sem receita para os remédios controlados, porque não teve mais consulta com a neuropediatra. O tratamento foi todo interrompido. A situação é muito difícil", afirmou.

Se os efeitos da pandemia do novo coronavírus afetam a toda a sociedade, para Kauan, a saída da rotina tem sido devastadora. Para a mãe, que vê os danos causados ao filho, a sensação é de impotência.

"Eu estou muito preocupada porque ele tem problemas respiratórios e é de risco. Ele tem muita dificuldade para respirar e, por isso, a fono é muito importante. Ele nunca usou uma sonda, graças a Deus, desde que nasceu, mas meu medo é que isso aconteça agora. É meu maior medo. Eu tenho notado ele bem estressadinho, porque tinha uma rotina de sair cedo, ir para a escola, as horinhas dele. É muito tempo dentro de casa, ele está bem sedentário", afirmou.

Jayane, de 4 anos, e a mãe, Crislene

Paloma Arquino/UMA/Divulgação

'Pelo governo, me sinto descoberta'

No caso de Jayane Cristine, de 4 anos, são, ao menos, seis terapias: fonoaudiologia, fisioterapia, terapia motora, fisioterapia aquática, terapia visual e a fisioterapia respiratória. Esta última, segundo a mãe da menina, Crislene Feitosa, é uma das mais importantes para a a sobrevivência dela. Tudo foi paralisado desde o dia 15 de março. A família mora no Alto José Bonifácio, também na Zona Norte da capital.

"Com a fisioterapia respiratória e a fono, ela vai fazendo movimentos para a respiração ficar melhor e ela engolir a saliva, para não se engasgar. Os bebês com microcefalia têm um fluxo de saliva maior que o normal e, se eles aspirarem, acaba caindo nos brônquios e, facilmente, resultando em uma pneumonia. Isso é muito perigoso, principalmente agora, com esse vírus", afirmou a mãe.

Jayane mora com os pais, uma irmã de 13 anos e um irmão de 9 anos, que tem deficiência intelectual. Assim como a irmã mais nova, ele depende de terapias para poder se desenvolver, que também foram paralisadas.

O pai das crianças é aplicador de gesso autônomo e, com a pandemia, precisou parar de trabalhar. Ele conseguiu receber o auxílio emergencial cerca de 15 dias depois da solicitação, o que ajudou a pagar o aluguel da casa onde moram.

"Não recebemos nenhum posicionamento sobre as terapias, até hoje. Desde que a pandemia começou, eles estão estudando a situação, disseram que tentariam fazer pelo menos o tratamento de fono pela internet, mas não teve nada. A minha filha foge um pouco do padrão, porque a maioria das crianças fica abaixo do peso. A minha é bem evoluída e já um pouco obesa, o que complica mais. Se ficar muito tempo parada, vai esquecer tudo o que aprendeu, e eu já tenho notado isso", disse Crislene.

A família descobriu no parto que Jayane tinha microcefalia. Cerca de 15 dias depois, saíram os exames, que atestavam a má-formação. A mãe lembra dos sintomas de zika até hoje. Diante de uma pandemia, a apreensão, para ela, é o que tem imperado no dia a dia.

"Pelo governo, posso dizer que me sinto descoberta. O que me sustenta é a misericórdia de Deus. Eu tenho muito medo de que ela pegue não só essa doença, mas qualquer outra", disse Crislene.

"As crianças com microcefalia têm vias respiratórias menores, até pelo tamanho da cabeça, e por isso têm dificuldade enorme de respirar. Até quando ela vai espirrar, para puxar o ar, é bem difícil. Como essa doença agride muito o sistema respiratório, a apreensão é grande", completou.

Ainda segundo Crislene, até mesmo os horários de sono da filha têm mudado, devido à nova rotina da pandemia. "Nós evitamos ao máximo sair de casa, só em casos extremos, e usando máscara desde o começo. Estamos diminuindo o contato com ela, porque a transmissão pode ocorrer mesmo sem sintomas. Ela tem dormido em horários diferentes. O prejuízo tem sido muito grande", disse.

'Perdem o que já conquistaram e regridem'

Jennifer e Crislene são algumas das 431 integrantes da União de Mães de Anjos (UMA), dirigida por Germana Soares, mãe de Guilherme, de 4 anos. A associação criada por ela luta por maior assistência e acompanhamento às famílias das crianças com microcefalia, aumentando o acesso à informação e a itens fundamentais para a reabilitação dos pequenos.

Com Guilherme, Germana saía de casa, na Várzea, Zona Oeste do Recife, de terça a sexta-feira, toda semana, para as terapias. Ele faz fisioterapia, fono, terapia ocupacional, psicóloga e natação, esta última por causa da asma crônica. Em virtude do problema respiratório, para Germana, que também é mãe de Geovanna, de 2 anos, a situação é ainda mais perigosa.

"É melhor um filho entrevado, regredindo, mas um filho vivo. Eles estão enraizados dentro de casa desde antes do fechamento de tudo, porque não vou submeter eles a riscos desnecessários. O prejuízo é máximo, porque os meninos perdem o que já conquistaram e regridem. Os músculos deles são mais rígidos, e, por isso, encurtam. Guilherme está todo encurtado, com todas as terapias suspensas", disse.

Germana Soares e os filhos Guilherme e Geovanna

Paloma Arquino/UMA/Divulgação

A UMA surgiu na vida de Germana depois que ela conheceu outra mãe de criança com microcefalia no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), que fica no Centro do Recife e que, hoje, é uma das unidades de referência e pioneira no tratamento da Covid-19 em Pernambuco. Um grupo virtual se transformou na associação, tão importante para as famílias afetadas pela epidemia.

"Guilherme tem uma luxação no quadril e não precisou fazer cirurgia por causa da terapia, mas, agora, ele não está nem abrindo as pernas direito. Quando deita para trocar a fralda sofre muito. O pé dele está todo troncho (torto), porque ele fica de ponta de pé, e isso encurta o nervo da panturrilha", disse Germana

A associação do zika com a microcefalia surgiu na mídia quatro dias antes de Guilherme nascer. Germana, sabendo que tinha pego zika durante a gravidez, desconfiou desde então que o filho poderia nascer com a má-formação. A suspeita foi confirmada no parto e o medo se transformou em muita força para lutar pela família dela e de outras centenas, em Pernambuco.

"Passar por uma pandemia, depois de uma epidemia, tem causado muito pavor a mim e a todas as mães. Ainda mais com notícias de que o coronavírus pode ficar para sempre, virar uma endemia. Mesmo quando tudo voltar ao normal, as mães não vão sentir confiança de levar os filhos nas primeiras semanas", afirmou.

Respostas

Questionada pelo G1 sobre a distribuição do medicamento em falta, a Secretaria de Saúde informou que "o levetiracetam é fornecido aos estados pelo Ministério da Saúde, que está com o envio em atraso", e que a "Farmácia de Pernambuco aguarda posicionamento do ministério sobre a entrega da medicação".

Sobre a assistência às crianças com síndrome congênita do zika, a pasta disse que, "diante do cenário de pandemia provocado pela Covid-19, tem atuado para readequar a rede de cuidados à saúde da pessoa com deficiência em Pernambuco, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde".

Ainda no início de abril, disse a a SES, foi realizada "a primeira experiência de teleconsulta para as crianças com a microcefalia, outras deficiências e doenças raras. Desde então, o trabalho vem sendo expandido, com teleconsultas com especialistas e também o trabalho de reabilitação".

Até o momento, segundo o governo, serviços como a Fundação Altino Ventura (FAV) e o Centro de Doenças Raras, no Recife; o Centro de Reabilitação II (CER) de Ipojuca; e Centro de Reabilitação Mens Sana, em Arcoverde estão atendendo remotamente seus pacientes.

"O objetivo da gestão estadual é aprimorar, ampliar e qualificar esse tipo de consulta para que mais crianças e públicos possam ter acesso. Para isso, a secretari tem dialogado com os serviços e os municípios para ampliar o quantitativo de unidades e também está capacitando os profissionais envolvidos na rede de atenção para realizar os teleatendimentos, com treinamentos periódicos com os trabalhadores dos serviços de referência".

Por fim, o governo disse que "continua monitorando permanente a saúde das crianças com a síndrome congênita do zika e que, articulou, junto aos municípios, a vacinação em domicílio contra a influenza para esse público".

O G1 também questionou o INSS sobre o corte do benefício de Kauan, filho de Jennifer, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.

Onde fica Nova Descoberta, comunidade na Zona Norte de Recife (PE)

Rodrigo Sanches/G1

Nova Descoberta

Localizado em uma região de morros e encostas, Nova Descoberta tem um dos maiores índices de exclusão social do Recife. Entre os problemas enfrentados pelos moradores está a frequente tensão por causa de deslizamentos de barreiras, comuns aos períodos chuvosos na capital.

População: 34.212 pessoas.

Localização: Na Zona Norte do Recife, em uma área de morros

Origem: A ocupação começou no início do século XX, com a saída dos mocambos, habitações precárias, localizadas na região central da cidade . Houve, assim, uma explosão demográfica do bairro, além do surgimento de fábricas têxtil no entorno do bairro, fazendo com que pessoas vindas do interior do estado migrassem para Nova Descoberta.

Dicas de prevenção contra o coronavírus

Arte/G1

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CORONAVÍRUS?-

Fonte: G1

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