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'A gente não sabe o amanhã': incerteza sobre futuro do Bolsa FamĂ­lia angustia beneficiĂĄrios

Por Redação em 20/10/2021 às 22:11:02
Ariana, Arlete e Sabrina, mães e beneficiárias do Bolsa Família, se dizem inseguras com mudança do programa e criticam a falta de clareza do governo na comunicação do novo Auxílio Brasil

Ariana, Arlete e Sabrina, mães e beneficiárias do Bolsa Família, se dizem inseguras com mudança do programa e criticam a falta de clareza do governo na comunicação do novo Auxílio Brasil

Bolsa FamĂ­lia, que completaria 18 anos, foi revogado por Medida Provisória e muitas dĂșvidas ainda pairam sobre o novo AuxĂ­lio Brasil. BeneficiĂĄrios criticam falta de clareza na comunicação do governo.


Ariana Flores Martins tem 35 anos e cria sozinha quatro filhos, com idades entre 12 e 18 anos, na Fazenda da Juta, favela localizada na região de Sapopemba, no Sudeste da capital paulista.

BeneficiĂĄria do Bolsa FamĂ­lia hĂĄ 12 anos, ela conta atualmente com uma renda de pouco mais de R$ 600 por mĂȘs para sustentar sua famĂ­lia de cinco pessoas.

Desse valor, R$ 375 vĂȘm do AuxĂ­lio Emergencial, pouco superior aos R$ 325 a que ela tinha direito pelo Bolsa FamĂ­lia, antes da pandemia — pelas regras do auxĂ­lio, os benefĂ­cios não podem ser acumulados e fica em vigor apenas o mais alto deles.

Outros cerca de R$ 250 ela consegue vendendo balas nas ruas com a ajuda de um dos filhos.

"Com o dinheiro do Bolsa FamĂ­lia, eu pago aluguel, e com o dinheiro das balas, compro as coisas dentro de casa", conta Ariana, que jĂĄ trabalhou como auxiliar de limpeza, mas tem dificuldade para encontrar emprego por não saber ler, nem escrever.

Durante a pandemia, ela contou com a doação de cestas bĂĄsicas, mas nos Ășltimos meses essa ajuda não tem mais vindo. Sem gĂĄs em casa, estĂĄ cozinhando na casa da vizinha. "Ainda bem que Deus colocou uma vizinha boa aqui para me ajudar", diz a mãe de famĂ­lia.

Ariana não sabe ao certo, porém, se continuarĂĄ contando com a ajuda dos programas de transferĂȘncia de renda do governo federal, jĂĄ que o AuxĂ­lio Emergencial se encerra ao fim de outubro e ainda não hĂĄ clareza sobre como se darĂĄ a implementação do AuxĂ­lio Brasil, programa que deve substituir o Bolsa FamĂ­lia a partir de novembro.

"Tenho muitas dĂșvidas. Não sei qual vai ser a quantia, se vão tirar ou por a mais, se vai ser para mais ou menos gente", afirma.

"Se vocĂȘ tem um emprego fixo, que dĂĄ para vocĂȘ manter sua casa, o aluguel, a alimentação, dĂĄ para segurar. Mas se vocĂȘ trabalha sozinha na rua, às vezes tem renda, às vezes não. Esse mĂȘs, por exemplo, eu não tenho conseguido trabalhar, porque tem sido só chuva. Eles não falam direito como vai ser e deixam as famĂ­lias inseguras, porque às vezes é a Ășnica renda que temos."

O Bolsa FamĂ­lia completaria 18 anos nesta quarta-feira (20/10), mas foi revogado pela Medida Provisória que criou o AuxĂ­lio Brasil (MP 1.061/2021), publicada no DiĂĄrio Oficial da União em 10 de agosto. A MP passa a valer imediatamente, mas ainda terĂĄ que ser votada pelo Congresso em até 120 dias para que o novo programa se torne definitivo.

O AuxĂ­lio Brasil é a tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de imprimir uma marca própria na assistĂȘncia social, apagando — às vésperas das eleições de 2022 — o nome fortemente associado às gestões petistas.

Novo programa, muitas dĂșvidas

Nesta quarta-feira, o ministro da Cidadania, João Roma, fez uma declaração à imprensa sobre o novo AuxĂ­lio Brasil, um dia após Bolsonaro cancelar de Ășltima hora um evento sobre o mesmo tema.

A declaração do ministro, no entanto, deixou no ar muitas dĂșvidas sobre o futuro do novo programa de renda voltado aos brasileiros mais vulnerĂĄveis.

Segundo Roma, haverĂĄ um reajuste linear de 20% em todos os benefĂ­cios do antigo Bolsa FamĂ­lia. Esses benefĂ­cios, segundo ele, tĂȘm valores que variam de menos de R$ 100 até mais de R$ 500, dependendo da composição de cada famĂ­lia.

O reajuste serĂĄ aplicado a partir de novembro, com carĂĄter permanente, e o governo espera zerar a fila do Bolsa FamĂ­lia até dezembro deste ano, levando o AuxĂ­lio Brasil para 17 milhões de famĂ­lias.

O nĂșmero é maior do que as 14,6 milhões de famĂ­lias contempladas pelo Bolsa FamĂ­lia atualmente, segundo Roma. Mas é menor que as 39,3 milhões de famĂ­lias que receberam o AuxĂ­lio Emergencial em 2021 até o mĂȘs de julho, segundo dados do próprio governo federal.


Bolsa FamĂ­lia, que completaria 18 anos nesta quarta-feira (20/10), foi revogado por Medida Provisória — Foto: RAFAEL LAMPERT ZART/AGÊNCIA BRASIL
Bolsa FamĂ­lia, que completaria 18 anos nesta quarta-feira (20/10), foi revogado por Medida Provisória


Ainda conforme o ministro, em carĂĄter transitório, até dezembro de 2022 — ano de eleições presidenciais —, Bolsonaro determinou que nenhuma famĂ­lia deve receber menos de R$ 400. A forma de financiar esse valor durante os próximos 14 meses, no entanto, não estĂĄ clara.

Roma disse que o governo trabalha para que isso seja feito "dentro das regras fiscais", sem a necessidade de utilização de créditos extraordinĂĄrios. A declaração foi dada após uma forte reação negativa dos mercados à perspectiva de que parte do auxĂ­lio seja financiada com recursos fora do teto de gastos, regra que limita o crescimento da despesa do governo à inflação.

No fim da tarde, no entanto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a falar na possibilidade de furar o teto de gastos em R$ 30 bilhões para bancar o novo AuxĂ­lio Brasil.

Ou seja, a dĂșvida sobre como o novo programa serĂĄ financiado permanece. E também o futuro da assistĂȘncia social no Brasil depois de 2023, quando as eleições tiverem passado.

'Estabilidade é fundamental'

Leandro Ferreira, especialista em gestão de polĂ­ticas pĂșblicas e presidente da Rede Brasileira de Renda BĂĄsica, considera a indefinição do governo quanto ao futuro da principal polĂ­tica social do paĂ­s um desrespeito com a parcela mais vulnerĂĄvel da população.

"Da mesma forma como os mercados financeiros gostam de previsibilidade, os mais vulnerĂĄveis também gostam. Eles querem saber se vão ter os recursos necessĂĄrios para atender suas necessidades", diz Ferreira. "Estabilidade é fundamental, quando se trata de economia, seja a economia dos mais ricos ou a dos mais pobres."

Segundo o especialista em polĂ­ticas pĂșblicas, desde quando o AuxĂ­lio Emergencial começou a ser discutido, no inĂ­cio da pandemia, jĂĄ se sabia que seria necessĂĄrio repensar o futuro do Bolsa FamĂ­lia.

"Deixar para a Ășltima hora, com duas semanas para terminar o AuxĂ­lio Emergencial, e não fazer essa discussão publicamente, impossibilitando o debate técnico, é muito ruim para o conjunto das polĂ­ticas pĂșblicas do paĂ­s", lamenta.

Complicando o que era simples

Para Naercio Menezes Filho, coordenador da CĂĄtedra Ruth Cardoso e pesquisador do Centro de Gestão e PolĂ­ticas PĂșblicas (CGPP) do Insper, se por um lado é positivo que o governo tenha a intenção de dar continuidade à polĂ­tica de transferĂȘncia de renda, com foco nas crianças e aumentando o valor do benefĂ­cio, por outro lado, o AuxĂ­lio Brasil tem problemas de desenho.


O ministro da Cidadania, João Roma, durante declaração à imprensa sobre o novo AuxĂ­lio Brasil — Foto: REPRODUÇÃO/YOUTUBE
O ministro da Cidadania, João Roma, durante declaração à imprensa sobre o novo AuxĂ­lio Brasil


O principal deles é sua complexidade. O programa traz dentro dele nove benefĂ­cios diferentes: BenefĂ­cio Primeira Infância; BenefĂ­cio de Composição Familiar; BenefĂ­cio de Superação da Extrema Pobreza; AuxĂ­lio Esporte Escolar; Bolsa de Iniciação CientĂ­fica Junior; AuxĂ­lio Criança Cidadã; AuxĂ­lio Inclusão Produtiva Rural; AuxĂ­lio Inclusão Produtiva Urbana e BenefĂ­cio Compensatório de Transição.

"São vĂĄrios penduricalhos, que acabam desvirtuando a essĂȘncia do programa e usando recursos que poderiam ser destinados diretamente ao pagamento da transferĂȘncia", considera Menezes Filho.

O presidente da Rede Brasileira de Renda BĂĄsica tem a mesma avaliação.

"O principal problema do novo programa é tornar a assistĂȘncia muito mais complexa do que era o Bolsa FamĂ­lia, com diversas categorias de benefĂ­cios que ninguém sabe se vai ser capaz de atender para se tornar elegĂ­vel", diz Ferreira.

"Não é que não seja importante criar incentivos ao esporte ou à iniciação cientĂ­fica, mas vincular isso à proteção social gera um excesso de instrumentos que pode complicar algo que era simples e jĂĄ bem conhecido da população e da comunidade técnica."

Para Ferreira, outro problema do novo programa é que ele desmonta a estrutura de monitoramento social vinculada ao Cadastro Único, instrumento que hoje permite o acesso do beneficiĂĄrio a diferentes programas sociais.

JĂĄ Menezes Filho avalia que a opção do governo de centrar o acesso dos usuĂĄrios ao novo programa no aplicativo, a exemplo do que foi feito no auxĂ­lio emergencial, pode dar maior agilidade à polĂ­tica de transferĂȘncia de renda.

Ambos concordam, porém, que teria sido muito mais fĂĄcil melhorar o Bolsa FamĂ­lia, em vez de criar todo um novo programa do zero. "O que precisaria fazer era acabar com a fila, aumentar o valor e usar o aplicativo. Não precisava de novo projeto de lei, mudar o nome, nada disso, eram só ajustes operacionais", defende o professor do Insper.

'Sei lĂĄ se vai dar certo'

Enquanto o governo busca uma solução para financiar o novo programa, as incertezas dos beneficiĂĄrios permanecem.

"A gente tem muitas dĂșvidas. Sei lĂĄ se esse novo programa vai dar certo ou não, se muita gente pode ficar de fora depois que mudar. Tenho muita dĂșvida mesmo", diz Arlete Vitório, de 56 anos e também moradora da Fazenda da Juta, na região Sudeste de São Paulo.

Mãe de um menino com problemas de saĂșde, cujos cuidados dificultam a ela voltar ao mercado de trabalho, Arlete vive atualmente apenas com a renda de R$ 375 do AuxĂ­lio Emergencial e alguma ajuda de seus irmãos. Antes do auxĂ­lio, recebia R$ 164 do Bolsa FamĂ­lia.

Segundo ela, não saber o futuro do Bolsa FamĂ­lia gera muita insegurança. "Pouco ou muito, vocĂȘ sabe que vai receber, depois que começar a mudar, eu não sei mais de nada", afirma.

"Cada hora eles falam uma coisa. Deveria ter uma explicação bem melhor e certa, que eles falem e seja aquilo, porque cada hora eles mudam de plano, mudam de opinião. Tinha que ser uma coisa mais sensata, porque as pessoas estão precisando muito", opina a dona de casa.

Sabrina Viana de Souza, de 22 anos e moradora do municĂ­pio de Caucaia, no CearĂĄ, compartilha da mesma opinião. Ela é mãe de um menino de 1 ano e 7 meses e vive com cerca de R$ 400, sendo R$ 250 do AuxĂ­lio Emergencial e o resto da venda de trufas. Antes do auxĂ­lio, com o Bolsa FamĂ­lia, recebia do programa R$ 130.

"Eu ainda não sei como vai funcionar essa mudança. A gente fica pensando: se diminuir, se aumentar, se acabar, pode prejudicar a gente de alguma forma", afirma. "O dinheiro [do auxĂ­lio] vai todo para as coisas do bebĂȘ, com as trufas compramos os alimentos, só com elas seria muito pouco."

"Eles tinham que explicar melhor, detalhadamente, porque mesmo eles falando, a gente não consegue entender como vai ser realmente. Deixa muito a desejar o jeito que eles falam."

Fonte: G1

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