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'Frankenstein' econômico: discurso de Bolsonaro na ONU distorce realidade do país, dizem analistas

Por Redação em 21/09/2021 às 15:29:10

Economistas ouvidos pelo g1 dizem, porém, que dados omitidos pelo presidente e transferência de responsabilidades não surpreendem e apenas acenam para sua base de apoio. Bolsonaro na ONU

Eduardo Munoz/Reuters

O discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) escapa à realidade e distorce as evidências, mas não surpreende os economistas ouvidos pelo g1 nesta terça-feira (21).

Alguns trechos chamaram atenção pela omissão de dados que contestariam o texto do discurso. Outros, por simples erros conceituais que compõem a análise econômica.

"O texto é um Frankenstein com dedos do Ministério das Relações Exteriores. O presidente deve causar calafrios no Itamaraty que sabe que o discurso na geopolítica é importante como as ações. No geral, é o Bolsonaro que já conhecemos", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Os tópicos que mais chamaram a atenção dos analistas são os seguintes:

- Bolsonaro diz ter assumido o país à "beira do socialismo";
- Atribui a inflação às políticas de restrição à circulação e lockdowns;
- Retoma o discurso que ações de prefeitos e governadores são responsáveis pela inflação brasileira;
- Diz que lockdowns deixaram "legado de inflação" em gêneros alimentícios;
- Afirma que houve retomada da "credibilidade externa";
- Menciona a criação de vagas formais de trabalho sem dizer que o emprego informal segue em baixa;
- Diz que o Brasil teve um dos melhores desempenhos econômicos entre os emergentes.

O que dizem os analistas

O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega diz ser "loucura" uma menção como essa no contexto econômico do país, sobretudo porque Bolsonaro recebeu o mandato de presidente da República de Michel Temer, que deu início às reformas pró-mercado que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta avançar.

A paralisia das reformas, inclusive, é relacionada pelos especialistas com as crises institucionais fomentadas pelo presidente Bolsonaro. Episódios de ataque ao Congresso e ao Supremo, como aconteceram no último dia 7 de setembro, desgastam as alianças políticas do governo e travam o andamento das propostas no Congresso.

É assim que se acende o alerta nos investidores de um aumento da percepção de risco fiscal. Sem as mudanças conjunturais, o governo precisa insistir em medidas que ameaçam o teto de gastos ou aumentam a desconfiança, como o parcelamento de precatórios.

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Para Maílson da Nóbrega, que também é sócio da consultoria Tendências, esses testes à política fiscal afetam a credibilidade dos títulos públicos. Se há uma ameaça de não pagamento de precatórios, afirma ele, questiona-se se o governo pode não pagar sua dívida, o que contribui para subida da curva de juros e aumentar o custo do Tesouro.

Sobre inflação, o ex-ministro diz que criar uma relação entre medidas de isolamento social para combater a pandemia do coronavírus e a elevação da inflação não tem nenhum sentido do ponto de vista econômico.

"É de matar de rir. Lockdowns provocam contração forte da atividade econômica. O efeito é queda na demanda, isso é anti-inflacionário", diz Maílson da Nóbrega.

"Se tem alguém que tem culpa é ele, que faz ataques às instituições e cria um ambiente de instabilidade que fizeram o dólar subir", segue o ex-ministro.

Nóbrega diz que essa é mais uma técnica de transferência de responsabilidade do custo político de um ambiente de inflação, como o presidente costuma fazer internamente com prefeitos e governadores. Os preços da gasolina, por exemplo, costumam ser atribuídos pelo presidente aos impostos estaduais.

Como mostrou o g1, o valor dos combustíveis está na casa dos R$ 7 por conta, resumidamente, de dois fatores: o aumento do preço, em dólar, do barril do petróleo no mercado internacional e uma depreciação do real em patamar muito acima do que deveria estar.

Além de terceirizar responsabilidades, uma fala com erros conceituais também prejudica a formação de credibilidade, dizem os analistas. Bolsonaro cita mais de 1,5 milhão de vagas de emprego criadas, mas ignora os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que ainda apontam um saldo de mais de 2 milhões de desempregados a mais que o país tinha antes da pandemia.

O dado citado por Bolsonaro é do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que realmente aponta criação de postos de trabalho. Mas a sondagem leva em conta apenas o emprego formal, de carteira assinada. Os mais prejudicados pela pandemia do coronavírus foram, justamente, os informais — contabilizados apenas pelo IBGE.

"Não que precisasse assumir culpas no discurso, mas não deveria ter ido por esse caminho de empurrar para os outros. Na negação, acaba revelando que não sabe consertar, encontrar soluções para os problemas", diz a economista Zeina Latif.

Por fim, as menções à preservação ambiental e medidas econômicas de melhoria do ambiente de negócios tinham por propósito básico sinalizar à agenda ESG, que tomou grandes proporções nas prioridades de investidores estrangeiros.

Para Sérgio Vale, da MB Associados, o país segue muito atrás do que deveria e "as palavras de hoje só confirmam a imagem negativa e a perda de soft power" da política externa brasileira.

"É verdade que algumas concessões ocorreram, mas o investimento estrangeiro direto (IED) está caindo e a privatização da Eletrobrás foi extremamente mal feita. Passa a impressão equivocada de um país que faz tudo pelo investimento, o que não é verdade", afirma Vale.

Fonte: G1

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