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Império Britânico, depois a União Soviética e, finalmente, os Estados Unidos e seus aliados: nenhuma dessas potências conseguiu controlar por muito tempo todo o território afegão. A congressista dos EUA Elise Stefanik comparou a queda de Cabul a Saigon: "Um fracasso desastroso no cenário internacional que nunca será esquecido"Getty ImagesO poderoso Império Britânico fez sua tentativa no século 19, quando era a superpotência mundial, mas em 1919 teve que deixar o Afeganistão e conceder a independência ao país.Depois foi a vez da União Soviética, que em 1979 invadiu o país com a intenção de manter o comunismo no poder (instituído por meio de um golpe em 1978) - demorou 10 anos para eles perceberem que não venceriam aquela guerra.Os britânicos e soviéticos têm em comum que, ao invadirem o Afeganistão, possuíam impérios de primeira ordem e logo depois começaram a desmoronar.VEJA TAMBÉM:Cofundador do Talibã chega a Cabul para iniciar novo governo afegãoO que é o Talibã, grupo extremista que voltou ao poder no AfeganistãoVeja a cronologia da tomada de poder do Talibã no AfeganistãoUnião Europeia diz que não reconhece regime do TalibãVinte anos após a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2001, e uma guerra subsequente que causou centenas de milhares de mortes, o governo de Joe Biden decidiu retirar as tropas de seu país do Afeganistão.Foi uma decisão polêmica, fortemente criticada e que levou à rápida queda de Cabul, a capital afegã, pelas mãos do grupo jihadista Talibã.Biden defendeu a retirada das tropas, alegando que os americanos não deveriam "lutar uma guerra que afegãos não querem lutar". Argumentou que "força militar alguma jamais alcançaria um Afeganistão estável, unido e seguro" e lembrou que o país é conhecido como um "cemitério de impérios".O Afeganistão tem sido o cemitério dos exércitos mais poderosos dos últimos séculos, que tentaram controlá-lo - com aparente sucesso no início de suas respectivas invasões, mas que depois tiveram que fugir do país."Não é que os afegãos tenham muito poder, o que aconteceu no Afeganistão foi culpa dos próprios impérios invasores, da patologia imperial e de suas limitações", disse o analista de defesa e política externa David Isby à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.O Afeganistão é um país com uma infraestrutura muito pobre e uma geografia difícilGetty Images via BBCIsby diz que o Afeganistão é, "de um ponto de vista objetivo", um lugar difícil: é uma nação complexa, com infraestrutura muito pobre, desenvolvimento limitado e sem saída para o mar."Mas os impérios, seja soviético, britânico ou os EUA, não mostraram flexibilidade ao lidar com o Afeganistão. Eles queriam e tinham que fazer as coisas do seu jeito e nunca conseguiram entender a complexidade do país", acrescenta.É comum ouvir que o Afeganistão é "impossível de conquistar" - uma afirmação errada: os persas, os mongóis e Alexandre, o Grande, fizeram isso no passado.O certo é que é uma aventura que custou muito a quem tentou. E os últimos três impérios que tentaram invadir Cabul simplesmente falharam.G1 no YouTube: Como a situação do Afeganistão agora pode ser mais tensa para as mulheresO Império Britânico e suas três invasõesDurante grande parte do século 19, o Afeganistão foi o palco central do "Grande Jogo" entre os impérios britânico e russo para controlar a Ásia Central.Por décadas, Moscou e Londres travaram uma luta diplomática e política que os britânicos acabaram vencendo, mas a um preço alto. O Reino Unido tentou invadir o país três vezes entre 1839 e 1919, e pode-se dizer que falharam nas três vezes.Na Primeira Guerra Anglo-Afegã - que começou quando os britânicos capturaram Cabul em 1839 com medo de que a Rússia fizesse isso antes deles -, Londres sofreu talvez sua maior humilhação da história: o exército daquela que era então a nação mais poderosa do mundo estava completamente destruída por tribos com armas muito simples.Após três anos de invasão, os afegãos finalmente forçaram as forças invasoras a deixar a capital, e a retirada resultou em tragédia.Apenas um cidadão britânico sobreviveu, entre um grupo de mais de 16 mil pessoas que deixaram um acampamento militar britânico em 6 de janeiro de 1842 com a intenção de ir para Jalalabad (cidade a leste de Cabul)."Essa guerra enfraqueceu o avanço da expansão britânica para o subcontinente e também afetou a narrativa de que os britânicos eram invencíveis", explica Isby.Quase quatro décadas depois, o Reino Unido tentou novamente com um pouco mais de sucesso.A Segunda Guerra Anglo-Afegã, que ocorreu entre 1878 e 1880, terminou com o Afeganistão se tornando um protetorado britânico, mas Londres foi forçada a abandonar sua política de manter um ministro residente em Cabul.Em vez disso, selecionou e apoiou um novo emir afegão e retirou suas tropas do país. Mas em 1919 uma terceira guerra estourou quando um novo emir afegão declarou sua independência da influência britânica.Naquela época, a Revolução Bolchevique havia reduzido a ameaça russa e, ao mesmo tempo, a Primeira Guerra Mundial paralisou os gastos militares britânicos, de modo que o interesse no Afeganistão diminuiu.Por isso, após quatro meses de batalhas, Londres acabou reconhecendo a independência do país.Embora oficialmente os britânicos não estivessem mais no Afeganistão, considera-se que eles mantiveram sua influência por muitos anos mais.O Vietnã da União SoviéticaDurante a década de 1920, o emir Amanullah Khan tentou reformar o país e, entre outras medidas, aboliu a burca tradicional para mulheres. A série de reformas perturbou algumas tribos e líderes religiosos, desencadeando uma guerra civil.As tensões no país asiático decorrentes de lutas pelo poder continuaram por décadas até que a União Soviética invadiu o país em 1979 para manter no poder um governo comunista profundamente fragmentado.Vários grupos mujahideen (extremistas religiosos) se opuseram aos soviéticos e começaram a combatê-los, com dinheiro e armas fornecidas por Estados Unidos, Paquistão, China, Irã e Arábia Saudita.Moscou lançou ataques terrestres e aéreos com a intenção de destruir aldeias e plantações em áreas que considerou problemáticas e a população local foi forçada a fugir de suas casas ou morrer.A invasão russa foi a mais sangrenta de todas, deixando cerca de 1,5 milhão de mortos e cerca de 5 milhões de refugiados.Em algum ponto, as forças soviéticas conseguiram controlar as principais cidades e vilas maiores, mas os mujahideen se moviam com relativa liberdade em muitas áreas rurais.As tropas soviéticas tentaram esmagar a insurgência com várias táticas, mas os guerrilheiros geralmente conseguiam evitar seus ataques.O país estava em ruínas.O então líder soviético Mikhail Gorbachev percebeu que não poderia continuar a guerra enquanto tentava transformar a economia russa e decidiu retirar suas tropas em 1988, mas a imagem do país nunca foi recuperada.O Afeganistão se tornou o Vietnã da União Soviética. Foi uma guerra cara e vergonhosa, na qual apesar de usar todos os seus músculos, a União Soviética foi derrotada e humilhada pelos guerrilheiros locais."Os soviéticos reivindicavam poder legítimo no Afeganistão, precisamente numa época em que havia contradições sérias e fundamentais no sistema soviético, em seu governo e em seu exército", diz o analista David Isby. "Esse foi um dos grandes erros dos soviéticos."A União Soviética caiu pouco depois.Os Estados Unidos e sua retirada "desastrosa"Após as intervenções fracassadas do Reino Unido e da União Soviética, os Estados Unidos lideraram uma nova invasão do Afeganistão em 2001, prometendo apoiar a democracia e eliminar a ameaça terrorista da Al Qaeda, após os ataques de 11 de setembro.Como as duas potências invasoras anteriores, Washington conseguiu tomar Cabul rapidamente e forçou o Talebã a entregar o poder.Três anos depois, um novo governo afegão assumiu a presidência, mas os ataques sangrentos do Talebã continuaram.O ex-presidente Barack Obama anunciou um aumento de tropas em 2009 que ajudou a repelir o Talebã, mas não por muito tempo.Em 2014, que acabou sendo o ano mais sangrento da guerra desde 2001, as forças da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) cumpriram sua missão e delegaram a responsabilidade pela segurança ao exército afegão.Essa ação permitiu ao Talebã conquistar mais territórios.No ano seguinte, o grupo continuou a ganhar força e lançou uma série de atentados suicidas. Houve ataques ao prédio do parlamento em Cabul e outro nas proximidades do aeroporto internacional da capital.De acordo com Isby, muitas coisas deram errado na invasão americana."Apesar dos esforços militares e diplomáticos, um dos principais problemas foi que nem os Estados Unidos nem a comunidade internacional conseguiram fazer o Paquistão abandonar sua guerra de poder, que se mostrou exitosa", disse ele. "Acabou sendo mais bem-sucedida do que as armas."Enquanto a invasão soviética foi muito mais sangrenta, a americana teve custos financeiros mais altos.Os soviéticos gastaram cerca de US$ 2 bilhões por ano no Afeganistão, enquanto entre 2010 e 2012 o custo da guerra para os EUA subiu para quase US$ 100 bilhões por ano, segundo dados do próprio governo dos Estados Unidos.E a queda de Cabul também foi comparada aos eventos no Vietnã do Sul."Este é o Saigon de Joe Biden", tuitou a congressista republicana Elise Stefanik. "Um fracasso desastroso no cenário internacional que nunca será esquecido."Com a retirada das tropas americanas e o consequente triunfo do Talebã, o mundo enfrenta uma nova crise humanitária com milhares de refugiados que terão que encontrar um novo lar."No médio prazo, será necessário ver se um regime do Talebã pode ser integrado à comunidade internacional, sobre o que tenho grandes dúvidas", disse David Isby.E se ficar impossível para a comunidade internacional lidar com o Talebã, será necessário ver se outra potência corre o risco de se aventurar em uma nova invasão do Afeganistão, o cemitério dos impérios.