Novo decano do Supremo, ministro destacou em entrevista que é "injusta" a acusação de que a Corte retirou da União poderes para tomar medidas de combate à crise sanitĂĄria
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou, durante entrevista divulgada neste sĂĄbado (17), que o tribunal tenha retirado poderes da União para atuar contra a pandemia da Covid-19. Segundo ele, o governo federal "se autoexcluiu" do combate à crise sanitĂĄria.
Novo decano (ministro com mais tempo de atuação) do tribunal após a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, o ministro concedeu entrevista ao podcast "Supremo na Semana", produzido pela Secretaria de Comunicação do STF.
Questionado sobre a atuação do Supremo em decisões sobre a pandemia, Gilmar Mendes lembrou os principais entendimentos fixados pela Corte para combater a crise e seus efeitos.
Nesse contexto, contestou argumento reiteradamente utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados para responder a cobranças sobre a atuação da União no combate à pandemia — o de que o tribunal retirou poderes do presidente da RepĂșblica para estabelecer medidas de combate ao coronavĂrus.
"O tribunal, na verdade, não se limitou à crise sanitĂĄria 'stricto sensu', mas tratou de vĂĄrios temas. Eu tenho dito que é muito injusta a acusação que se faz de que o Supremo retirou da União a competĂȘncia para atuar nesse processo. Pelo contrĂĄrio, o que o Supremo afirmou é que, diante da ausĂȘncia da União, estados e municĂpios não deveriam ficar impedidos de tomar as medidas de isolamento social e outras medidas restritivas", declarou.
"Mas, na verdade, quem se autoexcluiu desse processo foi a própria União, a partir de impulsos do governo federal. Num sistema - como nós sabemos e que o Supremo tem destacado — impositivamente tripartite. O SUS é um experimento institucional tripartite — estão presentes União, estados e municĂpios", complementou.
Desde que o STF analisou ações que discutiam a competĂȘncia de estados e municĂpios para tomar providĂȘncias para combater a Covid-19, no ano passado, Bolsonaro tem dito que foi impedido pelo tribunal de tomar medidas mais efetivas contra a pandemia. A alegação também tem sido veiculada por parlamentares bolsonaristas e apoiadores do presidente.
Mas, em decisões tomadas ao longo de 2020, a Corte fixou o entendimento de que União, estados, Distrito Federal e municĂpios tĂȘm competĂȘncia concorrente na ĂĄrea da saĂșde pĂșblica para tomar medidas para evitar a propagação da doença.
Ou seja, de acordo com essas decisões, todos os nĂveis de governo são responsĂĄveis por agir para enfrentar a crise sanitĂĄria. E o fato de o tribunal ter reconhecido a competĂȘncia dos governos locais para tomar providĂȘncias contra a pandemia não liberou a União de adotar medidas.
Mendes também afirmou que o Supremo tomou decisões para combater outros efeitos da pandemia. Citou como exemplos os entendimentos que permitiram ao governo estabelecer um "orçamento de guerra" sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal e, ao Congresso, adaptar o procedimento de anĂĄlise de medidas provisórias em meio à crise.
Segundo o ministro, o tribunal "atuou não só para arbitrar esse conflito entre União, estados e municĂpios, disciplinar a atuação do SUS, mas entrou na questão de proteção de dados, atuou no funcionamento do Parlamento, como na aprovação das medidas provisórias".
"Então, o Supremo, na verdade, viabilizou o próprio processo de governança. Como também foi o Supremo que dispensou determinadas exigĂȘncias da Lei de Responsabilidade Fiscal para deixar o governo mais à vontade no que concerne ao orçamento de guerra", declarou.
O ministro também falou do papel do tribunal em um cenĂĄrio de polarização das forças polĂticas. Tratou ainda da atuação da Corte para coibir ações ilegais contra as instituições democrĂĄticas.
"Acho extremamente importante que o tribunal atue e, nesse sentido, seja até uma instituição que cumpra um papel de moderação, estabelecendo limites. E acho que o tribunal, ao longo dos anos, tem exercido esse papel quando, por exemplo, delimita a própria liberdade de expressão, não permitindo que se divulguem discursos odientos, o chamado 'hate speech'. Portanto, parece que aqui é uma importante contribuição do tribunal", afirmou.
Ele comentou ainda os chamados inquéritos das fake news e dos atos antidemocrĂĄticos. O primeiro investiga notĂcias fraudulentas e ataques voltados a ministros do Supremo. O segundo, arquivado a pedido da Procuradoria-Geral da RepĂșblica, investigava a organização e o financiamento de atos que pregavam pautas inconstitucionais, como o fechamento do Supremo e do Congresso. Essa segunda investigação foi arquivada, mas um novo inquérito foi aberto para apurar a atuação de uma milĂcia digital contra a democracia.
"Acho que essas duas atuações fizeram com que houvesse uma reversão de expectativas. Nós estĂĄvamos num crescendo de ataques ao tribunal e, a partir daquelas iniciativas — inicialmente a partir das medidas que o ministro Alexandre [de Moraes] como presidente do inquérito tomou nesse chamado inquérito das fake news, que talvez seja um nome impróprio porque a rigor é bem mais do que isso — nós tivemos um resultado", disse.