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EmpresĂĄrios são os novos Ă­dolos pop de um Brasil em crise e cada vez mais evangĂ©lico

Por Redação em 11/07/2021 às 14:18:50
Ao contrĂĄrio das Ășltimas décadas, quando cantores, artistas ou esportistas monopolizavam a idolatria do pĂșblico, os Ășltimos anos marcaram a ascensão dos empreendedores de sucesso. Os Ășltimos anos marcaram a ascensão dos empreendedores de sucesso

Hordas de fãs prontos para amar, prestigiar e até defender seu Ă­dolo são comuns. Mas, ao contrĂĄrio das Ășltimas décadas, quando cantores, artistas ou grandes esportistas monopolizavam a idolatria do pĂșblico, os Ășltimos anos marcaram a ascensão dos empreendedores bem-sucedidos como os novos Ă­dolos pop.

EmpresĂĄrios "self-made", aqueles que conseguiram algo por algum tipo de "esforço próprio'', agora possuem milhões de seguidores nas redes sociais, causam aglomerações e reĂșnem milhares em eventos organizados para falarem sobre suas expertises.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, essa mitificação do empresĂĄrio é consequĂȘncia do neoliberalismo e avança em meio ao aumento do desemprego. Afinal, em um ambiente em que cada indivĂ­duo é responsĂĄvel pela própria trajetória, os que se destacam em um perĂ­odo negativo atraem uma mitificação e a esperança de o fã repetir tal roteiro de prosperidade.

Tal conjunção de fatores reforça a idolatria aos empresĂĄrios do paĂ­s. Mas, para além do elemento econômico, hĂĄ também a influĂȘncia das redes sociais, mais presentes no dia a dia, e do neopentecostalismo, que cresce por aqui, e contém dentro da doutrina religiosa um forte apelo empreendedor.

Para Christian Dunker, psicanalista e professor da USP (Universidade de São Paulo), por exemplo, pequenos empresĂĄrios brasileiros, com baixa remuneração, seguem esses rockstars e usam, agora, o status também de "empreendedor" como consolo para se diferenciar em meio a um ambiente de crise que perdura hĂĄ cerca de cinco anos.

"Muita gente saiu da classe média e foi para a classe média baixa nesse perĂ­odo. Nessa hora, a ideia de que vocĂȘ é um empresĂĄrio consegue mudar a sua representação social. VocĂȘ não é mais um desempregado, alguém que fracassou em um certo jogo de determinadas regras, mas vocĂȘ é um pioneiro em um novo jogo de novas regras. Por isso, vocĂȘ deseja seguir gente como vocĂȘ", disse.

Fãs de empresĂĄrios

Nas redes sociais, as pĂĄginas de empreendedores ou mesmo de marcas que vendem o sucesso são comuns. ComentĂĄrios de extrema admiração ou de comparação com os empreendedores fazem parte da rotina das novas celebridades.

As pĂĄginas da empreendedora Camila Farani, que participa do programa Shark Tank, que mostra empreendedores apresentando ideias de negócios, contam com milhares de comentĂĄrios elogiosos de fãs que veem na empresĂĄria uma inspiração, com uma aura de rockstar.

"VocĂȘ é minha inspiração de business woman"; "Sou tua fã"; "Cada dia admiro mais"; são algumas das reações nos comentĂĄrios do Instagram de Farani.

Essa admiração também extrapola as redes sociais. FlĂĄvio Augusto, fundador da Wise Up e da plataforma MeuSucesso, costuma reunir quase 4 mil participantes todo inĂ­cio de ano para falar sobre as expertises, desafios e oportunidades de negócios. Ovacionado pelo pĂșblico, o evento parece um grande concerto musical.

A empresĂĄria Camila Farani tem fã-clubes

Divulgação/BBC

Nem mesmo a pandemia do novo coronavĂ­rus esfria tal popularidade. Em outubro do ano passado, o empresĂĄrio Luciano Hang, fundador da Havan, causou um furor e foi alvo de crĂ­ticas em Belém (PA), onde milhares de pessoas se reuniram para acompanhar a abertura de uma unidade e reverenciar o empreendedor.

Em vĂ­deos divulgados nas redes sociais, Hang aparece correndo em frente a multidão e é ovacionado pelos presentes. No Instagram, jĂĄ existem pĂĄginas de fãs-clubes voltadas aos admiradores de Hang e Farani, por exemplo, com milhares de seguidores.

Essa presença mais próxima ao pĂșblico, possibilitada pelas redes, faz com que o discurso pró-empreendedorismo ganhe corpo, segundo os especialistas, o que explica tal mitificação de empresĂĄrios de sucesso.

"Se vocĂȘ tem grandes empresĂĄrios nas redes o tempo todo doutrinando, mostrando o que fazem, ideologizando sua prĂĄtica, é possĂ­vel que haja repercussão popular e adesão ao discurso empreendedor ou um fortalecimento daquilo que pode alcançar o mesmo patamar do empresĂĄrio", disse Ruy Gomes Braga Neto, professor do departamento de Sociologia e especializado em sociologia do trabalho.

Neoliberalismo e crise

Para os especialistas consultados pela BBC News Brasil, ao promover uma agenda de competição entre os indivĂ­duos, o neoliberalismo, que vem se aprofundando na agenda econômica brasileira nos Ășltimos anos, fomenta a admiração aos bem-sucedidos empreendedores.

"No neoliberalismo a sociedade é formada por um conjunto de indivĂ­duos que competem entre si. Essa ideologia ocorre no nĂ­vel econômico, mas também precisa ser renovada no nĂ­vel subjetivo, pois o indivĂ­duo precisa de fontes de vontade para manter-se no jogo. Ele precisa ser competente, caso contrĂĄrio, ele não se mantém no mercado e não hĂĄ espaço para solidariedade e outros valores que não sejam os valores econômicos", afirmou Neto.

Portanto, em um ambiente competitivo, em que o homem passa a ser analisado também como uma empresa, aquele que ganha o jogo é admirado - independentemente de o empreendedor vencedor ter tido condições diferenciadas ou não durante sua trajetória.

"Essa lógica vai produzir uma aspiração ao reconhecimento por aquele que é o campeão, o que estĂĄ acima dos outros dentro de uma competição. Ao admirar alguém assim, vocĂȘ reconhece que a regra do jogo é aquela. Um ganha e outro perde", afirmou Dunker.

"Esses empreendedores modelos estão ligados a essa vitória no mercado. Essas pessoas estão na mĂ­dia, fazem parte da TV, aportam muito em propaganda. Então, eles viram Ă­dolos de empreendedores populares que jamais terão condições de competirem nos mesmos moldes", completa.

Ao mirar os empreendedores bem sucedidos, os novos fãs buscam uma referĂȘncia

Getty Images/BBC

Desde 2013, o Brasil também passa por um aumento quase constante do desemprego. Ao fim do Ășltimo trimestre daquele ano, o desemprego era de 6,2% da população em idade de trabalhar, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂ­stica).

JĂĄ no Ășltimo trimestre, o percentual chegou a 14,7%, o que representa cerca de 14,8 milhões de pessoas sem trabalho formal.

Sem escolha, a falta de alternativas formais empurrou milhões de pessoas a empreender. De acordo com Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV, a crise obriga as pessoas a tomarem mais riscos.

Assim, ao mirar os empreendedores bem-sucedidos, os novos fãs buscam uma referĂȘncia para fugir de uma realidade de perda de renda ou desemprego, por exemplo.

"Esse movimento em que as pessoas se espelham [em empreendedores de sucesso] tem uma relação com uma conjuntura econômica, quando muitas delas tĂȘm uma expectativa, em termos de crescimento e resultados econômicos, ruim", disse Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da FGV.

Sampaio destaca ainda as recentes mudanças na economia trazidas pelo advento da tecnologia. Segundo o estudioso, nos Ășltimos anos houve um boom de novos negócios, como startups, que reduziram a barreira de entrada de novos empreendedores.

"É um movimento positivo, pois esses empreendedores viram referĂȘncias, um ciclo positivo que se retroalimenta. Com a nova economia digital, as barreiras de entrada ao empreendedorismo são menores do que de outros tempos, então é mais fĂĄcil as pessoas empreenderem, abrir um negócio, vender seus produtos e serviços via plataformas, por exemplo", completou.

Para Dunker, hĂĄ, porém, elementos tipicamente brasileiros que dão um tom alternativo ao empresĂĄrio brasileiro. Segundo o estudioso, no Brasil, a ascensão desses novos empreendedores bem-sucedidos não envolve sentido de gratidão ou dĂ­vida simbólica com aqueles que o auxiliaram para o sucesso, como a famĂ­lia de origem, universidades, chefes educadores, por exemplo, como ocorre nos EUA.

Além disso, empresĂĄrios brasileiros usam a condição de empresĂĄrio para esconder certo déficit cultural, como se isso o desobrigasse a uma educação formal, de acordo com a anĂĄlise de Dunker.

"Hoje, o pequeno comerciante se chama de CEO da empresa. HĂĄ um universo linguĂ­stico de reconhecimento. É como aquela sensação da criança que tem vergonha do pai nas festas, porque isso mostra as origens dela de ainda ser criança. Ao invés de vocĂȘ agradecer a pessoa humilde que compra do seu comércio, vocĂȘ acha que vai sentar na mesa com os formados em Harvard, Yale", disse o psicanalista da USP.

Religião é fator de influĂȘncia

Mas, não só a crise ou o fomento do neoliberalismo à brasileira que completam o quadro. A mudança do perfil da religiosidade dos brasileiros nos Ășltimos anos também influencia no comportamento em relação aos novos Ă­dolos empreendedores, segundo os especialistas.

Para Ruy Gomes Braga Neto, com o nĂșmero de evangélicos neopentecostais crescendo no PaĂ­s, hĂĄ uma afinidade do empreendedorismo popular junto a esse crescimento do neopentecostalismo.

"Quando vocĂȘ observa as igrejas neopentecostais mais conhecidas, todas as igrejas tĂȘm um forte componente empreendedor e fazem propaganda disso, do bispo que rompeu com a Igreja Católica, fundou a própria igreja e hoje é um grande conglomerado", diz.

De acordo com dados do Censo do IBGE, os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil nas Ășltimas décadas. A população que se declara evangélica passou de 6,6%, em 1980, para 22,2% em 2010 - o que representava cerca de 42,3 milhões de pessoas.

Para Neto, o chamado ao empreendedorismo ocorre, também, na esfera do sagrado, ganhando força e representação em todos os estratos populares.

"[O neopentecostalismo] traz um elemento empreendedor muito forte no discurso religioso, que se traduz em uma ética religiosa adotada por esses trabalhadores. VocĂȘ tem um elemento que não é propriamente econômico, mas sim um aspecto cultural e religioso que é muito forte. E isso é uma fonte poderosĂ­ssima de convencimento para o empreendedorismo voltado ao popular", afirma.

Fonte: G1

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