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'Me senti como um caixão ambulante': as mulheres obrigadas a seguir com gravidez inviável nos EUA

Por Redação em 10/08/2022 às 08:52:08
BBC conversou com mulheres que enfrentam dilemas agora que mudaram leis de aborto do país. Marlena Stell precisou esperar duas semanas para fazer uma curetagem

Marlena Stell via BBC

Ao sair daquela consulta, Marlena Stell dava início a duas semanas "devastadoras", com os restos de uma gravidez inviável no útero. Mas ela ainda não sabia disso.

O dia era 15 de setembro de 2021. Grávida de pouco mais de nove semanas e meia, Stell acabava de chegar a uma clínica no centro de Houston, no Texas (Estados Unidos), para a segunda ecografia de uma gestação de alto risco.

"Muito iludida", ela tirou o celular para fotografar tudo e fazer uma chamada de vídeo com seu marido, que teve que ficar do lado de fora devido às restrições causadas pela Covid-19.

"Estávamos muito contentes e esperançosos, porque queríamos dar um irmão ou irmã para a nossa filha de dois anos. No ultrassom anterior, duas semanas antes, tudo estava bem", conta Stell, de 42 anos, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

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Mas, dessa vez, a imagem do monitor não trouxe boas notícias. "Ali só se via a cavidade, como um túmulo oco", conta ela. "Minha ginecologista ficou em silêncio e entendi que algo ruim estava acontecendo."

A médica disse que parecia ser uma gravidez anembrionária, também conhecida como "ovo cego". Ela ocorre quando o embrião não se desenvolve ou para de se desenvolver, é reabsorvido pelo organismo da mãe e deixa um saco gestacional vazio. Em outras palavras, uma gravidez sem o bebê.

A gravidez anembrionária costuma estar relacionada a alterações genéticas e é a principal causa de aborto espontâneo, segundo o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG, na sigla em inglês).

Stell esperava que a médica apresentasse em seguida duas opções. Mas, em vez disso, ela conta que foi advertida que, "devido à lei dos batimentos que havia acabado de entrar em vigor no Texas", antes de poder oferecer qualquer tratamento ou intervenção, era preciso apresentar uma segunda ecografia, como prova de que a sua gestação não era viável.

A norma em questão havia entrado em vigor no Texas em 1° de setembro de 2021, apenas duas semanas antes da sua ecografia e nove meses antes que a Suprema Corte dos Estados Unidos eliminasse o direito constitucional ao aborto no país, deixando a legislação sobre o assunto nas mãos dos estados.

A lei texana é conhecida como a "lei dos batimentos", porque proíbe a interrupção da gestação se o médico conseguir detectar atividade cardíaca fetal — o que normalmente ocorre a partir da sexta semana, quando muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas.

Stell recorda a cena e ainda não consegue acreditar. "Não é que não se ouviam os batimentos, é que não havia sinal do bebê!"

A clínica que atendeu Stell esclareceu à BBC News Mundo que a lei que protege a confidencialidade dos pacientes não permite comentar sobre casos específicos, mas confirmou que ela "cumpre com a lei dos batimentos" e costuma pedir uma segunda ecografia para confirmar que o observado na primeira está correto e não se trata de "um falso negativo".

E, quando é confirmado que a gravidez é inviável, a clínica segue "o padrão de atendimento".

Stell afirma que ali começou sua odisseia particular para conseguir a retirada do conteúdo do útero com um procedimento cirúrgico e assim evitar possíveis infecções.

Curetagem, por favor!

Foto mostra uma mulher negra protestando pelo direito ao aborto no dia 24 de junho, em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington, DC. Ela usa uma fita sobre a boca onde se lê 'cidadã de segunda classe'.

Jacquelyn Martin/AP

O que ela pedia era um procedimento de dilatação e curetagem, que consiste em dilatar o colo do útero e introduzir um instrumento para retirar qualquer tecido remanescente da gravidez que ainda estivesse retido.

Esse é um dos principais tratamentos para eliminar abortos espontâneos que ocorrem antes da 13ª semana. Outros métodos comuns são a conduta expectante (deixar que o corpo expulse o tecido por si próprio), a aceleração do processo com medicações e a eliminação por aspiração.

"Uma pessoa que passe por um aborto espontâneo deve poder escolher, em consulta com um médico, qual o tratamento adequado para ela", segundo a representante do ACOG Jennifer Villavicencio. O manual do ACOG também indica o mesmo procedimento.

Mas, depois de encaminhar a segunda ecografia, que confirmou a gravidez anembrionária, Stell afirma terem insistido para que ela esperasse seu corpo expulsar o conteúdo do útero, oferecendo uma receita de misoprostol, um remédio para acelerar esse processo.

"Mas, pela minha experiência anterior [seu corpo não expulsava o tecido uterino e a dor não a deixava caminhar], não me sentia segura com essa alternativa de fazê-lo sozinha em casa e preferia que um médico fizesse no hospital", relata ela.

Por isso, Stell não usou o remédio e continuou procurando alguém que fizesse a curetagem. Até que conseguiu, em uma clínica de aborto, no dia 28 de setembro.

"Nessas duas semanas, me senti como um caixão ambulante", descreve Stell, "carregando de um lado para outro o que eu havia desejado que fosse um bebê, mas nunca havia sido".

Atrasos e ausência de tratamento

A mudança do panorama legal referente ao aborto também está afetando o tratamento das mulheres que, como Stell, enfrentam gestações desejadas, mas inviáveis.

Os pacientes, médicos e organizações entrevistados pela BBC News Mundo indicam que o tratamento de abortos espontâneos incompletos, gravidez ectópica — que se desenvolve fora do útero e é considerada perigosa — e outras complicações comuns está sendcom/portuguese/internacional-62489886

Fonte: G1

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