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Delegacia de Porto Alegre registra 1 caso de racismo a cada 30h após um ano do assassinato de João Alberto em supermercado

Por Redação em 19/11/2021 às 04:55:25
Cidadão negro foi morto na véspera do Dia da Consciência Negra em uma loja do Carrefour. Polícia Civil inaugurou Delegacia de Combate à Intolerância um mês depois do caso. VÍDEO ID 10053218

Na mesma Porto Alegre em que o Dia da Consciência Negra foi idealizado, há exatos 50 anos, um homem negro foi morto espancado dentro de um supermercado. O caso envolvendo João Alberto Silveira Freitas, que completa um ano nesta sexta-feira (19), chamou atenção para o que acontece, pelo menos, uma vez a cada 30 horas na Capital do RS: uma pessoa negra é vítima de racismo.

Caso João Alberto: o que se sabe um ano depois

O número corresponde ao total de ocorrências de racismo e assemelhados atendidas pela Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI), inaugurada menos de um mês após o crime no Carrefour do bairro Passo D'Areia, na Zona Norte da Capital. São 256 casos de injúria, preconceito, ameaça, lesão corporal, entre outros, contra 283 pessoas, conforme dados obtidos com exclusividade pelo g1.

Tantos outros episódios acabam escondidos, seja pela falta de denúncias, seja pela indisposição da sociedade em tratar do assunto. Por isso o registro policial é necessário, alerta a titular da DPCI, delegada Andréa Mattos.

"As pessoas foram ficando mais conscientes. É importante que elas venham, procurem. É importante que a estatística exista, até para que as pessoas saibam o que tem acontecido", diz.

O combate ao racismo, avalia o doutor em direito Jorge Terra, não deve se limitar à Justiça ou à Polícia Civil. Para o procurador do estado e presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o tema deve ser discutido na educação, na cultura, no mercado de trabalho e em outros espaços sociais.

"Se o racismo é estrutural, o combate ao racismo também deveria ser estrutural", defende.

Um dos casos investigados pela DPCI foi o das ofensas contra o estudante Jota Júnior, de 24 anos. A namorada do jovem recebeu mensagens de um homem branco, que dizia que o negro "exala um cheiro típico". O suspeito, que confirma a autoria das mensagens, mas nega o crime, acabou indiciado pela Polícia Civil.

"Quando se trata de ofender o Jota, para mim não tem um peso muito grande. Mas quando se ofende uma coletividade, toda a comunidade negra, eu, como militante dessa causa desde a infância, vi necessário não somente levar o assunto para as instâncias policiais", comenta .

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Sede da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância, em Porto Alegre

Gustavo Chagas/g1

Injúria x Racismo

A ocorrência foi aberta como uma possível injúria racial, mas acabou sendo concluída como caso de racismo. A diferença entre os tipos penais é uma das travas que são observadas nas investigações.

Nesta quinta-feira (18), o Senado aprovou o projeto que tipifica a injúria racial como racismo e estabelece pena mais rigorosa para quem comete o crime. O texto, que segue alinhamento do Supremo Tribunal Federal, será enviado para análise da Câmara dos Deputados.

A delegada Andréa Mattos ressalta que a injúria passa a ser racismo quando deixa de se referir a uma pessoa para atingir a coletividade. Durante as investigações, ela trabalha para identificar o intuito do suspeito ao agir de forma discriminatória.

"Para identificar a questão da injúria e do racismo é uma linha tênue. [O agressor] quer atingir a pessoa ou tem alguma coisa por trás, realmente acha o negro está numa condição inferior? Tem me surpreendido que muita gente acredita nisso", assinala.

Entenda a diferença entre racismo e injúria racial

Atualmente, pena para injúria é de um a três anos de prisão, enquanto a de racismo é de dois a cinco anos, sem possibilidade de fiança. Dependendo da condenação, a pena pode ser substituída por medidas alternativas.

Contudo, especialistas como Jorge Terra questionam a redação da lei, que data de 1989. Entre os pontos criticados, está a limitação de locais onde ocorrem os crimes.

"Precisamos de um texto legal melhor do que nós temos. Se nós consideramos como um crime de baixo poder ofensivo, pode ficar como está. Se nós queremos que seja como está previsto na Constituição, que é crime e é grave, e se realmente nos preocupamos com isso, temos que repensar como é que nós estamos punindo essas pessoas", observa.

O especialista ainda compara os tipos penais que tratam do racismo com outros crimes, ressaltando a gravidade do que é considerado como injúria racial.

"Quando se fala em roubo, se está preservando o valor da propriedade privada. Quando se fala em injúria, se está salvaguardando o valor da honra. Já quando essa expressão tem cunho racial é diferente. Alguém está querendo se mostrar superior a essa pessoa, se valendo de questões históricas, sociais e até psicológicas para isso. Falsa hierarquia de raças e pessoas é racismo", explica Terra.

Advogados Jorge Terra de Diva Zitto

Arquivo pessoal e OAB/SP

A advogada Diva Zitto, integrante da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB, afirma que casos recentes de violência racial no país e no exterior geraram mobilização social.

"Hoje se discute amplamente a existência do racismo. A sociedade está encarando esse fato social frente a frente. As discussões estão sendo abertas, estamos buscando soluções através de políticas públicas de ações afirmativas e em iniciativas privadas. Pelo lado negativo, a gente verifica o racismo estrutural nas colocações que são feitas em alguns discursos ou nas conversas corriqueiras", destaca.

Mencionando o caso que vitimou João Alberto, Diva Zitto comenta que episódios como esse acabam esquecidos muitas vezes. Para a advogada cabe à população negra não deixar o racismo prevalecer, uma vez que quem ocupa espaços privilegiados não irá reconhecer as conquistas dos negros e negras.

"Nós, enquanto pessoas negras e vítimas de racismo, com o interesse na mudança desse comportamento, temos que ser um pouco mais firmes e atuantes. O caso do João Alberto trouxe aquela repercussão, todo mundo gritando, falando, as pessoas tentando ir para a rua. Mas aqui no Brasil, o comportamento é diferente. O racismo foi tão bem permeado nas nossas entranhas que a gente busca a proteção do anonimato à exposição. Para mudar esse comportamento, nós precisamos ser constantes nas nossas práticas, nos nossos dizeres, nas nossas ações", discorre.

O estudante Jota Júnior também faz uma reflexão sobre o assunto. Para ele, o combate ao racismo nasce a partir de uma construção histórica, culminando com a autoestima e o empoderamento da população negra.

"Não somente ser vítima, mas enfrentar o racismo", sustenta.

Protesto contra o racismo reuniu manifestantes em frente ao Carrefour, em Porto Alegre, em 2020

Jonas Campos/RBS TV

Caso João Alberto

O processo que apura as responsabilidades pela morte de João Alberto ainda tramita no judiciário gaúcho, sob sigilo. Audiências de instrução estão designadas para ocorrer entre novembro e dezembro deste ano. Em agosto, a polícia promoveu uma reconstituição da noite do crime.

Seis pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público por homicídio triplamente qualificado com dolo eventual (motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima). O MP incluiu ainda o racismo como forma da qualificação por motivo torpe. Dois dos réus estão presos.

Caso João Alberto: veja perguntas e respostas

O Carrefour assinou um termo de ajustamento de conduta se comprometendo a aplicar R$ 115 milhões em políticas de combate ao racismo, tanto internas quanto externas. A terceirizada de segurança Vector, que prestava serviço de fiscalização no estabelecimento, também assinou um acordo semelhante.

João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte por seguranças em supermercado de Porto Alegre

Reprodução

Como denunciar

Casos de discriminação racial podem ser denunciados em qualquer delegacia de polícia, pela Delegacia Online RS, pelos telefones 100 e 181 ou pelo WhatsApp (51) 98444-0606.

A DPCI funciona na Av. Pres. Franklin Roosevelt, 981, em Porto Alegre. A delegacia atende nos telefones (51) 3224-6086 e 3338-6440. Além de crimes raciais, o órgão investiga discriminação etnia, religião, procedência nacional, orientação sexual, identidade de gênero ou em razão de deficiência.

Na área educativa, a DPCI produz cartilhas com dicas e orientações sobre os crimes atendidos. A delegacia também promove atividades em escolas.

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Fonte: G1

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