Por unanimidade, ministros consideraram inconstitucional uso do argumento em julgamentos no tribunal do jĂșri. AnĂĄlise foi concluĂda com os votos das ministras CĂĄrmen LĂșcia e Rosa Weber. Por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideraram inconstitucional o uso do argumento da "legĂtima defesa da honra" em casos de feminicĂdio julgados no tribunal do jĂșri.
A anĂĄlise do caso foi concluĂda nesta terça-feira (1Âș), durante a sessão que reabriu os trabalhos da Corte.
Os ministros acompanharam o voto do relator do caso, ministro Dias Toffoli. Em junho, jĂĄ havia maioria para considerar inconstitucional o uso do argumento.
Pela decisão dos ministros, a "legĂtima defesa da honra" não poderĂĄ ser usada por advogados, policiais ou juĂzes — de forma direta ou indireta.
A proibição vale tanto para a fase de investigação dos casos quanto para as situações em que os processos chegam ao tribunal do jĂșri.
Além disso, a defesa não poderĂĄ usar o argumento e depois pedir a anulação do jĂșri popular. Ou seja, o acusado não pode agir de forma irregular e depois tentar se beneficiar disso.
Os ministros concluĂram ainda que tribunais de segunda instância poderão acolher recursos pela anulação de absolvições, caso estas se baseiem na legĂtima defesa. A Corte entendeu que, se o tribunal determinar novo jĂșri, não vai ferir o princĂpio da soberania dos vereditos dos jurados.
Histórico
A tese da "legĂtima defesa da honra" era utilizada em casos de agressões ou feminicĂdios para justificar o comportamento do acusado em situações, por exemplo, de adultério, na qual se sustentava que a honra do agressor havia sido supostamente ferida.
O relator, ministro Dias Toffoli, votou contra a aplicação do argumento. Na Ășltima sessão do primeiro semestre, em 30 de junho, o julgamento foi retomado com os votos de André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, LuĂs Roberto Barroso e Edson Fachin, que acompanharam o relator para tornar a tese inconstitucional.
A ação que discute o tema foi apresentada pelo PDT, em janeiro de 2021. A sigla argumentou que não são compatĂveis com a Constituição absolvições de réus pelo jĂșri baseadas na tese da "legĂtima defesa da honra", classificada como "nefasta, horrenda e anacrônica".
Em 2021, em julgamento virtual, a Corte jĂĄ havia decidido suspender, até o julgamento do mérito da ação, o uso da tese pelos advogados de réus em jĂșri popular.
À época, os ministros consideraram que a aplicação da "legĂtima defesa da honra" é inconstitucional por violar princĂpios como o da proteção à vida, dignidade da pessoa humana e igualdade.
Em junho, os ministros começaram a analisar o mérito do pedido, confirmando a inconstitucionalidade da tese.
Conclusão do caso
No julgamento desta terça-feira, os ministros concluĂram a anĂĄlise do processo, com os votos das ministras CĂĄrmen LĂșcia e Rosa Weber.
Ao votar, a ministra CĂĄrmen LĂșcia relembrou, sem citar nomes, o caso da atriz Ăngela Diniz, assassinada por Doca Street. Doca era companheiro de Ăngela e os dois haviam terminado o relacionamento pouco antes do crime.
Ele matou Ăngela com quatro tiros no rosto, em dezembro de 1976, durante uma discussão do casal em BĂșzios, no Rio de Janeiro, onde a socialite tinha uma casa na Praia dos Ossos.
A ministra também citou leis da época do Brasil Colônia, que atribuĂam ao homem o poder sobre o corpo e a vida da mulher. Argumentou que, ainda atualmente, as mulheres continuam a ser tratadas como "coisas" e que nesta condição, devem "se submeter ao poder de mando de alguém".
CĂĄrmen pontuou ainda que houve ampliação de casos de violĂȘncia contra a mulher durante a pandemia. E que o tema dialoga com a questão da dignidade humana em "uma sociedade que ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são, mulheres donas de sua vida".
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, argumentou que a tese não é compatĂvel com uma sociedade livre e democrĂĄtica.
"Simplesmente não hĂĄ espaço, no contexto de uma sociedade democrĂĄtica, livre, justa e solidĂĄria, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para restauração dos costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vĂtimas da violĂȘncia e do abuso, em defesa da ideologia patriarcal, fundada no pressuposto da superioridade masculina, pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres para reafirmação de seus papeis sociais de gĂȘnero e a proteção daquilo que os homens - em uma visão de mundo permeada pelo preconceito e a ignorância — consideravam, e alguns talvez ainda consideram, ser sua honra", afirmou.