A Câmara de Deputados da Bolívia aprovou por unanimidade, na noite de quarta-feira (01), a lei que fomenta a doação voluntária de plasma hiperimune. O tratamento feito à partir deste componente do sangue tem mostrado resultados favoráveis na recuperação de pacientes graves infectados pela Covid-19. A crescente busca pelo fluido e a oferta escassa - junto com a crise econômica causada pelos mais de cem dias de quarentena - transformou o plasma em uma mercadoria negociada ilegalmente. Há até quem o utilize para se autopromover. Em La Paz, um homem mostra a tomografia de seu filho, em 26 de junho de 2020David Mercado/ReutersApesar da rígida quarentena, a Bolíviaregistramais de 33 milcasos da Covid-19. A doença matou mais de 1.123 pessoas em todo o país,que tem pouco mais de 11 milhões de habitantes.Bolívia aprova calendário eleitoral com possível segundo turno em outubroEm maio, o Ministério da Saúde boliviano autorizou o uso do plasma hiperimune a pacientes graves contaminados pelo coronavírus. Apenas pessoas infectadas e que testaram negativo em dois exames podem fazer a doação do fluido. De acordo com órgãos oficiais, até terça-feira (30), a Bolívia registrou cerca de 9.340 pacientes recuperados.Duas cidades da Bolívia decretam lockdownNo entanto, a oferta deste material- extraído do sangue e do qual foram retirados os glóbulos vermelhos e brancos - ainda é inferior à alta quantidade de infectados. O plasma só pode ser injetado se houver compatibilidade sanguínea entre o doador e o paciente. Doentes com tipos sanguíneos AB positivo e AB negativo são os que têm mais dificuldade de consegui-lo.Mercado ilegal de plasmaCom a lei da oferta e da procura em desequilíbrio, surgiu o mercado ilegal de plasma. Em vez de doar espontaneamente o fluido, há quem cobre por ele.A bolsa de plasma pode chegar a US$ 3 mil: valor bastante superior ao salário mínimo boliviano, equivalente a US$ 304 mensais. Além disso, o índice de desemprego nas áreas urbanas da Bolívia subiu para 7,34% em abril deste ano. De acordo com Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa é a mais alta desde 2016.Antes da aprovação pela Câmara de Deputados do texto que incentiva a doação de plasma por pessoas que superaram a Covid-19, a lei da medicina transfusional já determinava a proibição da venda de sangue e derivados, como é o caso do plasma.O texto aprovado na quarta-feira, e que depende dovoto no Congresso, determina que "toda transfusão sanguínea está isenta de remuneração tanto para os profissionais e/ou para técnicos em nível institucional público, assim como aos doadores".Cada doação pode apoiar o tratamento de duas a quatro pessoas. Muitos indivíduos que contraíram a Covid-19 estavam sofrendo preconceito no trabalho, por vizinhos e até mesmo por parentes. A situação mudou e graças aos incentivos: os doadores agora são vistos como heróis pela população, já que podem salvar vidas.A lei determina a criação de um registro nacional de pacientes recuperados do coronavírus. A meta é obter uma base de dados atualizada e confidencial para ajudar pacientes em situações mais graves.SOS pelas redes sociaisAté que o Senado aprove o texto, as buscas por doações continuam sendo feitas nosbancos de sangue espalhados pelo país. Mas, pelas redes sociais, se multiplicam pedidos de doação de plasma. São centenas de perfis solicitando ajuda.A dentista Rosa Maria Jordán recorreu a amigos, familiares e também à internet, na busca pelo plasma hiperinume compatível para o sangue tipo O positivo."Em nosso caso, graças a Deus, não houve necessidade de pagar à parte. Escutei que algumas pessoas estão cobrando pelo plasma. Outros o doam sem necessidade [de pagamento]. Pedem apenas que paguem o segundo teste sanguíneo para que saia negativo", explica Rosa, cuja avó foi internada depois de ter sido contaminada pelo coronavírus. A idosade 87 anosse recupera bemapós a transfusão deplasma.Rosa conseguiu a ajuda de um parente que é proprietário de uma fábrica. O empresário pediu apoio a um de seus funcionários, que se recuperou da Covid-19, para a avó de Rosa pudesse receber a doação voluntária. Eficácia do plasma Ainda não há dados suficientes sobre a capacidade de recuperação dos infectados que receberam plasma. De acordo com o médico Stephano Lorini, no hospital onde trabalha, em La Paz, oito doentes em estado crítico tiveram o fluido aplicado. "Sete destes pacientes puderam receber alta. Um, infelizmente, faleceu", contou à RFI.O plasma sanguíneo foi usado pela primeira vez na Bolívia na década de 1960 para casos de febre hemorrágica. Esta alternativa também está sendo utilizada na China, na Itália e em outros países para tratar pacientes contaminados pelo coronavírus.Nas portas dos bancos de sangue na cidade de Santa Cruz de la Sierra, que registra o maior número de contagiados em toda a Bolívia, é comum ver pessoas empunhando cartazes pedindo doações de plasma.Apoio e autopromoçãoVárias campanhas incentivando a doação de plasma circulam pela Bolívia. Empresas, supermercados, restaurantes, concessionárias de veículos e até clubes de futebol estão aproveitando para se autopromover com a iniciativa.Na Imcruz, uma das principais lojas de veículos da Bolívia, quem apresentar o comprovante de doação voluntária de plasma concorre ao sorteio de um carro 0 km. Uma fábrica de produtos lácteos está doando cem litros de leite durante seis meses a quem já teve o coronavírus e fizer a boa ação.Já uma empresa de seguros está fornecendo uma apólice de seguro de US$ 10 mil em casos de acidentes pessoais a quem teve a Covid-19 e doou plasma. Uma rede de supermercados também propõe recompensar 120 doadores de plasma com um vale-compras no valor de 500 bolivianos (cerca de R$ 555). Alguns clubes de futebol da Bolívia oferecem facilidades a novos sócios quecomprovem que doaram plasma.Até mesmo Jeanine Áñez, presidente interina da Bolívia e candidata à próxima eleição presidencial (agendada para 6 de setembro), prometeu condecorar policiais que doaram o fluido.
G1