'Orçamento secreto': oposição indicou 18% e Centrão, 50% das emendas informadas ao STF

Por Redação em 14/05/2022 às 05:59:51
Disparidade na divisão dos recursos é apontada por especialista como uso da máquina pública 'a favor dos amigos'. Dados são parciais, já que nem todos os parlamentares detalharam valores. Partidos que fazem oposição ao governo Jair Bolsonaro no Congresso Nacional receberam, em 2020 e 2021, 18% das emendas de relator que foram detalhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF). O percentual é bem menor que os 50% recebidos pelas cinco siglas do Centrão, grupo político que dá sustentação ao governo no parlamento.

Os percentuais revelam a desigualdade na distribuição dos recursos – o que, segundo especialistas, favorece a atuação do Executivo dentro do Congresso (veja mais abaixo). As emendas de relator foram apelidadas de "orçamento secreto" pela falta de transparência e pelo uso do critério político no mapeamento dos repasses.

Os ofícios com o detalhamento das verbas foram apresentados por deputados e senadores após determinação do STF. Ao todo, os parlamentares prestaram informações sobre R$ 10,9 bilhões em emendas de relator, o que representa 29,6% do orçamento total destinado a esses recursos em 2020 e 2021 (R$ 36,9 bilhões).

Boa parte dos documentos foi apresentada sem critérios mínimos de transparência, e cada parlamentar enviou as informações de modo diferente – alguns, por exemplo, não detalharam os valores das emendas, nem os municípios beneficiados. O formato recebeu críticas de especialistas.

Antes de o STF determinar a divulgação dos dados, as indicações eram todas incluídas no orçamento federal em nome do relator do texto – ainda que esse parlamentar estivesse atendendo a interesses de outros deputados e senadores. Com isso, o nome do real autor de cada indicação permanecia oculto.

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Emendas da oposição

De acordo com o levantamento feito pela TV Globo/G1/GloboNews, três partidos de oposição – PT, PSB e PDT – foram responsáveis pela indicação de R$ 195,85 milhões das emendas detalhadas. A cifra é pouco maior, por exemplo, do que os R$ 189,4 milhões indicados pelo presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP).

Ao encaminhar os documentos ao STF, PSOL, PCdoB e Rede informaram que não fizeram indicações dentro das emendas de relator.

A líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP), chama de "aberração" a distribuição das emendas de relator – segundo ela, pelo montante dos recursos, pela falta de critérios técnicos na sua divisão e porque, na prática, significa a compra de uma base política do governo no Congresso.

"[As emendas de relator] São intermediadas por parlamentares para os seus redutos eleitorais, muitas vezes para temas que não são prioridade no orçamento público", diz.

"Como são muito favorecidos por uma fatia grande do orçamento, esses parlamentares acabam votando, aprovando, uma agenda do [presidente Jair] Bolsonaro, não se indispondo com ele, sendo muito difícil, por exemplo, a análise de um pedido de impeachment ou qualquer punição ou cobrança mais contundente."

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Emendas do Centrão

O valor apresentado pela oposição é muito inferior ao que partidos aliados do governo receberam. Juntos, cinco legendas do Centrão consideradas núcleo duro de apoio do governo no Congresso – PL, PP, Republicanos, PTB e PSC – respondem por R$ 5,45 bilhões dos repasses detalhados, o que representa 50% das emendas de relator.

Desde 2020, o presidente Jair Bolsonaro iniciou uma aproximação com essas siglas. Em novembro do ano passado, o próprio presidente se filiou ao PL.

Já o PP, que indicou mais de R$ 2 bilhões em emendas de relator, é o partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI), e do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PR).

Sozinho, Lira foi responsável pela indicação de R$ 357,5 milhões em 2020 e 2021. Já Ricardo Barros informou cifra mais modesta: R$ 17,6 milhões nos dois anos.

Ciro não apresentou suas indicações, mas sua mãe e suplente no Senado, Eliane Nogueira (PP-PI), foi a segunda parlamentar que mais se beneficiou com recursos: R$ 399,3 milhões em cinco meses de mandato em 2021.

Partidos 'independentes'

O União Brasil (partido criado a partir da fusão do DEM e do PSL) e o PSD, partido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), também estão entre os partidos que mais indicaram emendas de relator - respectivamente, R$ 1,65 bilhão e R$ 1,52 bilhão.

Com esses valores, as siglas assumem terceiro e quarto lugares entre os partidos que mais se beneficiaram com as emendas de relator (veja a lista abaixo). Apesar de não estarem formalmente na base do governo e se considerarem independentes, as duas siglas costumam votar de acordo com a orientação do Executivo.

O presidente do Senado foi responsável pela destinação de R$ 180,4 milhões em emendas de relator em 2021. Pacheco informou não ter indicado recursos deste tipo em 2020.

VÍDEO: como funciona o 'orçamento secreto'

Disparidade na distribuição

Ao contrário das emendas individuais, que são divididas igualmente por cada parlamentar, independentemente do partido ou do estado, as emendas de relator não seguem critérios objetivos ou proporcionais de distribuição na hora da indicação.

É por isso que um parlamentar pode indicar cerca de R$ 400 milhões e outro não ter indicação alguma.

Na avaliação de especialistas, a disparidade na distribuição de recursos permite que o Executivo e seus aliados no Congresso privilegiem os parlamentares que votam com o governo, punindo aqueles que estão na oposição.

“Além do problema da falta de transparência, que impede uma fiscalização efetiva dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público, gera-se uma brutal desigualdade no acesso a recursos, que representa o uso da máquina governamental e do orçamento público a favor dos amigos. É um claro abuso de poder econômico com dinheiro público para fins eleitorais”, diz o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto.

“O Executivo abdica de direcionar parte considerável do gasto público, alienando a seus próceres no Congresso essa atribuição, gerando uma espécie de governo congressual do orçamento para poucos.”

Veja a distribuição de emendas de relator por partido – os valores se referem apenas à parcela das emendas que foi detalhada nos documentos enviados ao STF:

ORÇAMENTO SECRETO: VALORES INDICADOS POR PARTIDO

Fonte: G1

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