Segundo a decisão do STF sobre restrições a operações policiais, toda incursão em favela deve ser comunicada. O levantamento, que também revelou o alto grau de letalidade nessas ações, foi desenvolvido pelo grupo GENI/UFF, que considerou o perĂodo de junho a novembro de 2020. Um levantamento feito pelo Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF) apontou que 45,7% das operações policiais em favelas do Rio de Janeiro descumpriram a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs restrições a atividade policial durante a pandemia da Covid-19.
Entre as obrigações legais para a realização de incursões em favelas, estĂĄ a necessidade de comunicação ao Ministério PĂșblico do Rio de janeiro (MPRJ), com até 24 horas de antecedĂȘncia. Além disso, as forças de segurança também precisam apresentar uma justificativa para a atividade, visto que a decisão do STF permite operações policiais em comunidades somente em "hipóteses absolutamente excepcionais".
"Quando o uso da força não é feito de forma regulada, quando vocĂȘ não tem formalização, quando não tem respeito aos protocolos e ao controle externo e interno da atividade policial, quando o controle não é efetivo, isso abre uma fenda muito grande para a brutalidade e para a corrupção policial", comentou Daniel Hirata, professor de sociologia da UFF e pesquisador.
Em nota, a PolĂcia Militar afirmou que tem cumprido integralmente a decisão do STF. Segundo a corporação, todas as operações são comunicadas ao Ministério PĂșblico.
Ainda de acordo com o levantamento, que considerou o perĂodo de junho a novembro de 2020, o nĂșmero de mortos nessas operações é maior quando não existe acompanhamento do MP.
O estudo indica que a PolĂcia Civil não comunicou 91,1% de suas operações em favelas no perĂodo analisado. A corporação teve uma média de duas mortes por operação.
JĂĄ a PolĂcia Militar, com uma porcentagem de subnotificação de 21,1%, registrou quatro mortes para cada dez operações - ou seja, uma taxa de probabilidade letal de 40%.
A anĂĄlise das comunicações foi elaborada a partir do mapeamento dos dados do MPRJ e da base de operações do próprio GENI/UFF. Durante o perĂodo analisado, 268 operações foram comunicadas ao MP, embora haja registros de 494 ocorrĂȘncias de operações policiais, ou seja, uma subnotificação de 45,7%.
"A anĂĄlise dos dados mostra claramente que as forças policiais não enviam as comunicações de grande parte das operações policiais ao MPRJ e, quando enviam, os critérios não são compatĂveis com as normativas feitas pelas próprias polĂcias. É urgente que os ministros do STF votem a favor do plano de redução de letalidade policial e sua supervisão pela sociedade civil", explicou Daniel Hirata.
NĂșmeros do estudo:
foram registradas 494 operações policiais em favelas do RJ, entre junho e novembro de 2020;
nesse perĂodo, apenas 268 incursões foram comunicadas ao Ministério PĂșblico;
45,7% das operações policiais em favelas do RJ descumpriram decisão do STF por falta de comunicação ao MP;
apenas 6,7% das operações foram motivadas por mandado de busca e apreensão, ou seja, com respaldo da Justiça;
nos Ășltimos 15 anos, 13.584 pessoas foram mortas pelas forças policiais;
entre 2007-2021, 11.383 operações policiais foram realizadas só na Região Metropolitana;
neste perĂodo, quase 1 em cada 5 mortes ocorridas no Rio de Janeiro foi resultado de ações policiais;
em 2019, o estado registrou 1.643 mortes por intervenção policial, nĂșmero 313% maior que o observado em 2013;
nos primeiros oito meses de 2021, as forças policiais responderam por 37% do total dos homicĂdios;
desde que a determinação do STF entrou em vigor, houve uma queda de 34% na letalidade policial;
entre janeiro de 2019 e outubro de 2021, policiais mataram 102 crianças e adolescentes no Rio de Janeiro;
STF decidirĂĄ sobre restrições
Na próxima quinta-feira (25), o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar se mantém ou derruba a determinação de que operações policiais no Rio, durante a pandemia, só podem acontecer em casos excepcionais e com conhecimento do Ministério PĂșblico.
Policiais armados em helicóptero blindado da PolĂcia Militar em operação na Maré
A proibição imposta por decisão liminar do ministro Edson Fachin, começou a valer em junho de 2020 e estabelece uma série de critérios para a realização de operações policiais, com o objetivo principal de evitar danos às comunidades e a perda de vidas em confrontos.
O texto da lei em vigor, prevĂȘ responsabilização civil e criminal em caso de descumprimento das proibições. A decisão de Fachin permite operações policiais em comunidades somente em "hipóteses absolutamente excepcionais", sem exemplificar quais seriam.
Caso o STF aprove em definitivo a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nÂș 635, que foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e estĂĄ em vigor por decisão liminar do ministro Edson Fachin, o estado do Rio de Janeiro serĂĄ obrigado a elaborar, no prazo mĂĄximo de 90 dias, um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses.
O plano deverĂĄ ter medidas objetivas, cronogramas especĂficos e previsão dos recursos necessĂĄrios para a sua implementação.
Pontos importantes da ADPF:
fim do uso dos blindados aéreos em operações policiais;
a proteção a comunidade escolar;
a garantia do direito à participação e ao controle social nas polĂticas de segurança pĂșblica;
e o acesso à justiça e a construção de perĂcias e de provas que incluam a participação da sociedade civil e movimentos sociais.
Na opinião do pesquisador Daniel Hirata, para que a lei cumpra seu objetivo serĂĄ fundamental dar transparĂȘncia a todas as metas estipuladas para reduzir a letalidade policial no estado, assim como as informações das operações policiais.
"O julgamento é muito importante porque ele pode conduzir a criação de um plano de redução da letalidade policial (...) Com a supervisão judicial e a participação da sociedade civil, esse plano pode garantir que as metas estabelecidas para a redução da letalidade policial sejam cumpridas", comentou o Hirata.
Hirata lembra que quem deve fazer esse controle é o Ministério PĂșblico, jĂĄ que o órgão é o responsĂĄvel por fiscalizar a atividade policial. Como argumento, o professor citou a operação da PolĂcia Civil no Jacarezinho, que terminou com 28 mortos, em maio — a mais letal da história do estado.
"No caso do Jacarezinho, foi feita uma investigação autônoma e perĂcia independente. Nós tivemos a denĂșncia de dois policias da Core, coisa que eu não lembro quando que tenha acontecido. Isso é uma sinalização importante de que o controle externo da atividade policial feito pelo MP apresenta resultados", pontuou Hirata.
Retorno da secretaria de segurança pĂșblica
Além de cobrar mais transparĂȘncia e fiscalização das atividades policiais no Rio de Janeiro, o pesquisador da UFF também questionou o fim da Secretaria de Segurança PĂșblica do Estado. Em 2019, no inĂcio da gestão do atual governo - ainda sob o comando do ex-governador Wilson Wtzel - o Rio de janeiro passou a ter a Secretaria de PolĂcia Militar e a Secretaria de PolĂcia Civil no lugar da antiga pasta da segurança.
"O fim da Secretaria de Segurança é uma coisa que a gente tem que reverter com a mĂĄxima urgĂȘncia. Com o fim da secretaria, nós tivemos uma aceleração do processo em curso de autonomização das forças policiais. Isso efetivamente é muito ruim porque é necessĂĄrio que o poder armado seja submetido ao poder eleito. E não o contrĂĄrio. A extinção foi muito ruim para tudo que se imagina que deve ser feito no âmbito do controle da atividade policial", comentou.
No estudo do Geni/UFF, em 2019, ano de extinção da Secretaria de Segurança PĂșblica,1.643 pessoas morreram em intervenção policial. Este nĂșmero é 313% maior que o observado em 2013, quando o Rio teve 398 mortes por intervenção de agente do Estado, o menor indicador entre 2007 e 2020.
O levantamento também mostrou que nos primeiros oito meses de 2021, as forças policiais responderam por 37% do total dos homicĂdios. Este foi batizado como "estatização das mortes".
Como forma de comparação, a porcentagem média nacional das mortes cometidas por policiais no total de mortes em 2019 foi de 13%.
Menos operações em ĂĄrea de milĂcia
O trabalho de pesquisa também apontou que nos bairros sob o controle das milĂcias, a polĂcia tem uma atuação mais tĂmida, em comparação com regiões dominadas por outros grupos criminosos.
Embora as milĂcias jĂĄ tenham controle da maior parte da cidade, a maior quantidade de operações policiais ocorre onde hĂĄ predominância de territórios em disputa e onde o grupo armado predominante é o Comando Vermelho.
"Ao utilizar as operações policiais como indicador de favorecimento polĂtico-coercitivo, não estamos validando a crença de que elas são efetivas no combate ao crime, mas sim chamando a atenção para uso das operações policiais como um instrumento de interferĂȘncia nos conflitos territoriais armados e o favorecimento de alguns grupos armados em relação aos seus rivais", dizia parte do material divulgado pelos pesquisadores.
O que diz a PM
Em nota, a PolĂcia Militar afirmou que as operações estão alinhadas com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A corporação disse também que tem cumprido integralmente a decisão do STF e que todas as operações são comunicadas ao Ministério PĂșblico - e tĂȘm como base inteligĂȘncia, investigação e ação.