Pesquisadores da Universidade de Toronto, no CanadĂĄ, escrevem sobre o impacto dos smartphones nas nossas habilidades cognitivas. A tecnologia digital é onipresente. Nos Ășltimos 20 anos, temos dependido cada vez mais de smartphones, tablets e computadores — e essa tendĂȘncia tem se acelerado devido à pandemia de Covid-19.
A sabedoria popular nos diz que a dependĂȘncia excessiva da tecnologia pode prejudicar nossa capacidade de lembrar, prestar atenção e exercer autocontrole.
De fato, estas são habilidades cognitivas importantes.
No entanto, os temores de que a tecnologia suplantaria a cognição podem não ser bem fundamentados.
Tecnologia altera a sociedade
Sócrates, considerado por muitos o pai da filosofia, estava profundamente preocupado com a forma como a tecnologia da escrita afetaria a sociedade.
Como a tradição oral de fazer discursos requer um certo grau de memorização, ele tinha receio de que a escrita eliminasse a necessidade de aprender e memorizar.
Esta passagem é interessante por duas razões. Primeiramente, mostra que houve uma discussão intergeracional sobre o impacto das novas tecnologias nas habilidades cognitivas das futuras gerações.
Esta continua sendo a realidade até hoje: o telefone, o rĂĄdio e a televisão foram todos saudados como arautos do fim da cognição.
Isso nos leva à segunda razão pela qual esta citação é interessante. Apesar das preocupações de Sócrates, muitos de nós ainda somos capazes de guardar informações na memória quando necessĂĄrio.
A tecnologia simplesmente reduziu a necessidade de certas funções cognitivas, e não nossa capacidade de executĂĄ-las.
Piora da cognição
Além das alegações da mĂdia popular, algumas descobertas cientĂficas foram interpretadas como sugerindo que a tecnologia digital pode levar a uma perda de memória, atenção ou funções executivas.
Após o escrutĂnio dessas afirmações, no entanto, percebemos duas suposições argumentativas importantes.
A primeira suposição é que o impacto tem um efeito duradouro nas habilidades cognitivas de longo prazo.
A segunda suposição é que a tecnologia digital tem um impacto direto e não moderado na cognição.
Ambas as suposições, no entanto, não são respaldadas diretamente por resultados empĂricos.
Uma anĂĄlise crĂtica das evidĂȘncias sugere que os efeitos demonstrados foram temporĂĄrios, não de longo prazo.
Por exemplo, em um estudo importante que investigou a dependĂȘncia das pessoas em formas externas de memória, os participantes eram menos propensos a lembrar partes de informações quando era dito a eles que essas informações seriam salvas em um computador e eles teriam acesso a elas.
Por outro lado, se lembravam melhor das informações quando era dito a eles que não seriam salvas.
HĂĄ uma tentação de concluir a partir dessas descobertas que o uso da tecnologia leva a uma memória pior — uma conclusão que os autores do estudo não tiraram.
Quando a tecnologia estava disponĂvel, as pessoas confiavam nela, mas quando não estava disponĂvel, elas ainda eram perfeitamente capazes de lembrar.
Sendo assim, seria precipitado concluir que a tecnologia prejudica nossa capacidade de memória.
Além disso, o efeito da tecnologia digital na cognição pode ser devido ao quão motivado alguém estĂĄ, em vez de seus processos cognitivos.
De fato, os processos cognitivos operam no contexto de objetivos para os quais nossas motivações podem variar.
Especificamente, quanto mais motivadora for uma tarefa, mais engajados e focados vamos estar.
Esta perspectiva reformula as evidĂȘncias experimentais que mostram que os smartphones prejudicam o desempenho em tarefas de atenção sustentada, memória de trabalho ou inteligĂȘncia fluida funcional.
Fatores motivacionais tendem a desempenhar um papel nos resultados das pesquisas, levando em conta especialmente que os participantes muitas vezes consideram as tarefas que são solicitados a fazer no estudo como irrelevantes ou enfadonhas.
Como hĂĄ vĂĄrias tarefas importantes que realizamos usando a tecnologia digital, como manter contato com entes queridos, responder e-mails e desfrutar de entretenimento, é possĂvel que a tecnologia digital comprometa o valor motivacional de uma tarefa experimental.
Vale ressaltar que isso significa que a tecnologia digital não prejudica a cognição; se uma tarefa for importante ou envolvente, os smartphones não vão afetar a capacidade das pessoas de executĂĄ-la.
Mudança na cognição
Ao fazer uso da tecnologia digital, os processos cognitivos internos estão menos focados no armazenamento e computação de informações.
Em vez disso, esses processos convertem informações em formatos que podem ser descarregados em dispositivos digitais — como frases de pesquisa — e depois recarregados e interpretados.
Este tipo de descarregamento cognitivo acontece quando as pessoas fazem anotações no papel, em vez de confiar certas informações à memória de longo prazo, ou quando as crianças usam as mãos para ajudar a fazer conta.
A principal diferença é que a tecnologia digital nos ajuda a descarregar conjuntos complexos de informações com mais eficĂĄcia e eficiĂȘncia do que as ferramentas analógicas, e isso sem sacrificar a precisão.
Um benefĂcio significativo é que a capacidade cognitiva interna, que é liberada de ter que executar funções especializadas, como lembrar um compromisso da agenda, fica livre para outras tarefas.
Isso, por sua vez, significa que podemos realizar mais, cognitivamente falando, do que jamais serĂamos capazes antes.
Desta forma, a tecnologia digital não precisa ser vista como competindo com nosso processo cognitivo interno. Em vez disso, ela complementa a cognição, ampliando nossa capacidade de fazer as coisas.
*Lorenzo Cecutti é aluno de doutorado em marketing na Universidade de Toronto, no CanadĂĄ. Spike W. S. Lee é professor associado de administração e psicologia na mesma instituição.
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