Genocídio pode ser o drible a mais da CPI

Por Redação em 19/09/2021 às 13:56:55
A acusação de genocídio para apreciação do Tribunal Internacional de Haia pode virar um problema. Se o tribunal declarar que não há elementos para instaurar a ação, já que a Justiça brasileira teria condições de lidar com o caso, a máquina de mentiras bolsonarista vai transformar a decisão num atestado internacional de inocência. A CPI da Covid deveria prestar bastante atenção na expressão futebolística "drible a mais". É quando o jogador está na cara do gol, com todas as chances de empurrar a bola e finalizar a partida, mas decide enfeitar a jogada e põe tudo a perder.

A acusação de genocídio para apreciação do Tribunal Internacional de Haia corre o risco de ser o "drible a mais" da CPI. Basta o tribunal declarar que não há elementos para instaurar uma ação por genocídio, sem analisar o mérito das acusações, para a máquina de mentiras bolsonarista transformar a decisão num atestado internacional de inocência.

O professor da USP Marcos Zille, que trabalhou como juiz auxiliar no Tribunal de Haia e defendeu uma tese de doutorado sobre a corte, ensinou ao blog que a corte internacional aceita examinar a queixa quando está patente a omissão dos estados nacionais na apuração dos fatos. Não vivemos uma situação como a da Alemanha Nazista, onde seria impossível investigar e processar os crimes do regime, ou do Timor Leste, onde estava clara a incapacidade das estruturas judiciárias funcionarem. A corte foi pensada para atuar nestes casos extremos.

Tudo bem que temos uma Procuradoria-Geral da República imunodepressiva, mas o organismo legal brasileiro ainda consegue produzir anticorpos. Só para refrescar a memória: a própria CPI só começou a funcionar por uma decisão da justiça brasileira. Fora a discussão se cabe ou não uma acusação de genocídio, que também gera controvérsias jurídicas.

Mas aqui a discussão não é jurídica. É sobre consequências políticas do gesto. Este blog já mostrou como Bolsonaro transformou em atestado de inocência uma fala do ex-ministro Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão.

Bastará uma declaração do tribunal internacional de que não é o fórum adequado para discutir o assunto para alimentar o discurso antissistema da extrema direita brasileira. Já posso até antecipar o zap que vou receber do seu Orcival do 801, meu fictício vizinho bolsonarista:

"PATRIOTAS: está aí a prova. O Tribunal Internacional de Haia INOCENTOU nosso presidente. Jogou na lata de lixo todas as mentiras inventadas pela CPI CORRUPTA da Covid com apoio dessa imprensa NOJENTA. Os VAGABUNDOS podem mentir AQUI, na nossa amada pátria, mas não são os DONOS DO MUNDO. O Tribunal de Haia não é nosso STF VERGONHOSO e DITADOR. Nosso mito foi INOCENTADO por juízes IMPARCIAIS, que não fazem parte do SISTEMA PODRE brasileiro."

É óbvio que a CPI não deve se guiar pelo medo de seu Orcival do 801, nem do cercadinho do presidente. Mas seria ingenuidade política dar munição a quem acusa apenas por capricho. E por que digo capricho? Porque, parafraseando Joãosinho Trinta, quem "gosta de Tribunal de Haia é intelectual".

Essa CPI ganhou a atenção da massa por falar de temas concretos, de fatos compreensíveis e que fazem parte do cotidiano das pessoas: roubalheira e morte. O drama dos velhinhos da Prevent Senior é muito mais didático para qualquer um entender o conceito de crimes contra humanidade do que qualquer decisão do Tribunal de Haia.

Vou além: o grande mérito politico desta CPI foi criar o rótulo de "ladrão de vacinas" para o governo Bolsonaro. Até então, os xingamentos políticos contra Bolsonaro só se encaixavam em lives de influencers da classe A. Alguém já viu o Maracanã berrar "genocida" ou "negacionista"? Mas "ladrão" e "assassino", grita. Esse foi o mérito da CPI: falar com a massa. Tirar o Brasil do cercadinho. Impor a pauta nacional. Colocar a política com P maiúsculo dentro da casa de todos os brasileiros, sem exceção. Falar a língua das ruas.

Com a extrema direita fungando no cangote de nossa imperfeita democracia, a CPI não pode se dar ao luxo de dar um drible a mais na cara do gol.

Fonte: G1

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