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Venezuelanos passam noite nas ruas e enfrentam longas filas por regularização no Brasil: 'Desastroso'

Por Redação em 25/07/2021 às 20:39:43
Há um mês, o governo federal flexibilizou a entrada da fronteira entre o Brasil e a Venezuela na cidade de Pacaraina, em Roraima. O foco é atender os imigrantes venezuelanos em maior situação de vulnerabilidade, que continuam a chegar tanto pelas fronteiras oficiais quanto por rotas clandestinas. Venezuelanos passam noite nas ruas e enfrentam longas filas por regularização no Brasil

Dormindo nas ruas ao relento e enfrentando, de pé, longas e demoradas filas. Essa é a realidade de migrantes venezuelanos em Pacaraima, no Norte de Roraima, fronteira com a Venezuela, que chegam ao Brasil e tentam regularização no país desde que o governo federal liberou a passagem de estrangeiros em vulnerabilidade social no último dia 24 de junho.

São famílias inteiras dormindo em pedaços de papelão, cheias de bagagens nas mãos, enquanto aguardam a vez para o atendimento no Posto de atendimento da Operação Acolhida, uma força-tarefa do Exército que atende imigrantes e refugiados venezuelanos no país.

No grupo que enfrenta as dificuldades de atravessar a fronteira, também há deficientes físicos, idosos e crianças expostos à insalubridade e ao perigo das ruas lotadas de gente em Pacaraima. A maioria não usa máscaras ou qualquer outro item de proteção à Covid-19.

Grandes filas se formas nas ruas de Pacaraima, município de Roraima que faz fronteira com a Venezuela

Caíque Rodrigues/G1

Há um mês, em 24 de junho, o Brasil flexibilizou a entrada de imigrantes venezuelanos em Pacaraima, liberando a passagem daqueles que estão em vulnerabilidade social. Os grupos de prioridade são: crianças ou adolescentes desacompanhados; famílias com crianças ou adolescentes; pessoas com problemas de saúde; idosos; e pessoas que sofrem grave ameaça a integridade física.

Nos primeiros 20 dias da liberação da passagem na fronteira para pessoas em situação de vulnerabilidade, a Acolhida chegou a atender cerca de 800 venezuelanos por dia, um salto se comprado aos 20 migrantes que estavam sendo atendidos por dia antes da medida.

Nos últimos dias, o número é até 300 atendimentos diários.

Apesar da flexibilização, a fronteira continua oficialmente fechada. O fechamento ocorre desde 18 de março de 2020, como medida do governo federal para conter o avanço do coronavírus.

Antes da liberação da passagem na fronteira, os venezuelanos estavam entrando no país por rotas clandestinas para fugir da crise econômica e social de seu país de origem.

"Novas expectativas"

Muitos dos migrantes deficientes físicos, idosos e crianças expostos à insalubridade e ao perigo nas ruas do município

Caíque Rodrigues/G1

O G1 esteve no local e conversou com migrantes que tinham acabado de atravessar a fronteira junto com suas famílias. Deixaram tudo o que construíram ao longo da vida no país natal para uma nova perspectiva em um país novo e, agora, esperar em uma fila se tornou a única saída para o recomeço.

A grande maioria que entrou no Brasil veio pelas "trochas", nome dado às rotas clandestinas usadas pelos migrantes na travessia entre os dois países.

Milagros Componce, "passamos por situações muito fortes"

Caíque Rodrigues/G1

Milagros Componce, de 33 anos, trabalhava como professora no estado venezuelano de Anzoátegui. Chegou ao Brasil na quinta-feira (22) junto com a mãe, o esposo, quatro filhos e um sobrinho com necessidades especiais. Ela e a família vieram pelas rotas clandestinas porque não tinham dinheiro para pagar transporte para chegar pela fronteira regular.

"Estávamos viajando durante quatro dias para chegar até o Brasil. Todos os dias e noites caminhamos pelas chamadas trochas [caminhos clandestinos] onde passamos por situações muito fortes".

"Deixamos nosso país com a esperança de crescer, de poder dar uma educação aos nossos filhos, uma alimentação balanceada para eles já que, na Venezuela, mesmo sendo um país tão rico, hoje posso dizer que é o país mais pobre do mundo. A economia é muito instável. Estamos aqui procurando o melhor para eles e precisamos de toda a ajuda humanitária", diz Componce.

A professora falou da vontade de sair de Roraima e ir para outros estados para recomeçar a vida trabalhando no Brasil.

"Passamos todas as noites caminhando para poder chegar aqui. Quero ser interiorizada. Meu esposo também é professor, agricultor e quer trabalhar. Como chegamos hoje pela manhã, estamos procurando um lugar para deixar as crianças".

Com o filho bebê no colo, ela, emocionada, falou sobre o cansaço de ter que ficar com os filhos na rua enquanto se dividia com o marido esperando lugar na fila.

Migrantes se protegem das chuvas aglomerando-se em calçadas

Caíque Rodrigues/G1

Anahí Pereira, de 39 anos, é licenciada em ensino inicial e trabalhava com crianças na Venezuela. Ela e o filho, de 12 anos, chegaram a Pacaraima também na quinta-feira (22). Ela conta que deixou outros dois filhos pequenos na Venezuela e que sua intenção é se estabelecer no Brasil para então reunir a família novamente.

Anahí Pereira, "tenho força para trabalhar".

Caíque Rodrigues/G1

"Estou lutando pois tenho dois filhos muito pequenos e só vim com um. Vir foi muito forte, mas estou aqui e espero receber o apoio de muitos brasileiros. Então, por favor, nos estenda a mão. Cada pessoa que está aqui tem uma personalidade diferente, têm muitos com vontade de lutar. Estamos aqui porque precisamos de coisas que a Venezuela não pode oferecer. Precisamos de renda, de um bom emprego. Por isso, quero viver aqui. Também quero recuperar minha família, meus filhos que deixei para trás", desabafa Anahí.

Anahí conta que o filho de 12 anos precisa de tratamento médico. No Brasil, ela espera ter acesso aos medicamentos necessários, além de educação de qualidade.

Ela afirmou que a maior vontade é conseguir um trabalho para ter estabilidade e dar uma boa educação aos seus filhos. "Eu sei que eu tenho talento para trabalhar aqui".

A venezuelana disse que passou a noite na rua com o filho e quer entrar no Brasil com "os papeis em mãos".

"Estamos aqui pois acabamos de entrar, mas queremos entrar Brasil adentro com papéis em mãos, pois caso chegue a polícia ou algo do tipo eles possam comprovar que está tudo em ordem, que viemos de fora, mas estamos fazendo as coisas como devemos fazer, com as regras necessárias para que nós possamos entrar", disse Anahí.

Mortimer Jose tem diabetes e estava há muitas horas sem medicamentos. "Vivemos muitas humilhãções".

Caíque Rodrigues/G1

Mortimer Jose, de 58 anos, tem necessidades especiais. Anda com a ajuda de uma bengala e, no momento da entrevista, estava há "muito tempo" sem as medicações necessárias para o tratamento da diabetes, doença que ele convive há 20 anos.

"O mundo precisa fazer algo por nós, venezuelanos. (...) Estamos aqui por motivos de saúde, comida e por todos os outros motivos que nós venezuelanos estamos passando. Fiz um enorme sacrifício para chegar aqui e me dói, de verdade, ter que abandonar minha mãe, meus irmãos, meus amigos. É desastroso o que estamos vivendo, é uma situação dramática", resume.

Mortimer disse que seus filhos já moram no Brasil, em Cuiabá, capital de Mato Grosso, e sua intenção é ser interiorizado para a cidade, onde pretende viver junto com eles.

A grande maioria dos migrantes entram no Brasil por rotas clandestinas

Caíque Rodrigues/G1

Já Norandy Melín, de 51 anos, viajou do estado venezuelano de Anzoátegui até o Brasil por meio de rotas clandestinas. Acompanhada do filho de 20 anos, ela disse que abandonou a Venezuela por conta da situação econômica crítica que ela e a família estavam vivendo.

Norandy Melin, "toda a população venezuelana está passando necessidade"

Caíque Rodrigues/G1

"O que se ganha lá é um salário mínimo (...). Tudo só permite comer ou comprar um pacote de macarrão. E não sobra para comprar nem um pouco de frango ou carne. Em outras palavras, o que você ganha somente dá para o almoço em um único dia. Imagina todas as outras despesas para uma pessoa que está doente? Isso é muito difícil", conta Norandy.

Norandy relata que a maior dificuldade para ela é a falta de trabalho na Venezuela. Sua intenção no Brasil também é ser interiorizada e conseguir um emprego - desejo compartilhado de outros tantos migrantes na fila.

"Toda a população venezuelana está passando necessidade. E é isso que aumenta a insegurança. Coisas censuradas dentro do país, há muita tensão. Precisamos de um pouco mais de segurança. É uma extorsão, tiram dinheiro de você", denuncia.

Ela conta que muitos que vieram pelas rotas clandestinas tiveram que vender todos os seus pertences e, mesmo assim, o valor não era o suficiente para que as famílias atravessassem pela fronteira regular.

"Muitas pessoas vendem suas propriedades, vendem os pertences de suas casas para ter uma maneira de chegar até aqui. Isso para vir pelas trochas, não pelas fronteiras legais. Muitas pessoas são idosas, estão doentes, grávidas, crianças pequenas. Não tem onde dormir, estamos na rua enquanto pegamos a documentação", relata a venezuelana.

Apesar dos grande obstáculos, Norandy disse estar confiante no futuro e em um recomeço no Brasil.

"Temos fé que, ao chegar aqui, vamos trabalhar e seguir adiante. Vamos ser pessoas com o mesmo ânimo que tínhamos para trabalhar lá [Venezuela]. Agora, com a mesma força."

Venezuelanos dormem em caixas de papelão enquanto aguardam nas filas

Caíque Rodrigues/G1

Regularização no Brasil

O coordenador da Operação Acolhida, general Antônio Manoel de Barros, responsável pelo atendimento e regularização desses migrantes, informou no último dia 14 de julho que o motivo para a formação das grandes filas é a adoção de um sistema de controle que dá prioridade às pessoas que entram pela fronteira oficial, que são atendidas de imediato, em detrimento das que entram pelas rotas clandestinas.

"Essas pessoas estão na rua por diversos motivos. Alguns querem ficar na rua, alguns estão aguardando a documentação e alguns estão na fila de espera dentro do atendimento da acolhida. Por experiência, sabemos que irá chegar em um ponto de estabilidade", disse o general.

Migrantes chegam a todo o momento durante o dia

Caíque Rodrigues/G1

A ideia, segundo o general, era priorizar o atendimento para quem chegasse no país pela fronteira regular e "incentivar as pessoas a não entrarem por rotas clandestinas" - o que não tem ocorrido.

"Nós achávamos que ia ter fila na parte da fronteira para entrada, e o maior número de entradas ainda não estão acontecendo pela fronteira normal", explica.

O chefe de comunicação da Operação Acolhida, major Silvio Sant'anna, disse que desde a flexibilização o processo para regularização migratória dura até cinco dias. Para tentar organizar as filas, os militares dão uma espécie de senha verbal.

De acordo com a Operação Acolhida, são cerca de 250 migrantes diariamente esperando nas filas

Caíque Rodrigues/G1

Ao ser atendido no posto de triagem em Pacaraima, a Acolhida vacina os migrantes segundo o Plano Nacional de Imunização (em especial a influenza e o sarampo, doença erradicada no Brasil) e faz a testagem da Covid-19 - em caso de positivo o migrante é isolado no abrigo. Após esses procedimentos, o migrante pode ser levado para abrigos em Boa Vista, onde escolhe se quer ser interiorizado ou não.

Segundo Sant'anna, o plano da Operação Acolhida é abrir mais dois abrigos para atender a demanda. A ideia, no entanto, não tem data para ser colocada em prática.

Migrantes aguardam em filas quilometricas por regularização no Brasil

Caíque Rodrigues/G1

Atualmente, a Acolhida coordena, em parceira com ONGs e agências internacionais ligadas à ONU, 11 abrigos em Boa Vista, sendo 4 deles indígenas; um abrigo indígena e um alojamento de trânsito em Pacaraima, além de um alojamento de trânsito em Manaus, no Amazonas.

Contexto

Desde o final de 2015, Roraima passou a ser o destino de venezuelanos em fuga da crise política, econômica e social do regime de Nicolás Maduro. Em 2018, a situação se agravou: migrantes chegavam no Brasil e, sem perspectivas, moravam nas ruas e encaravam a pé a rota da fome para chegar a Boa Vista.

Em meio ao descontrole, a Operação Acolhida foi criada para organizar o fluxo migratório, mas, três anos depois, as cenas agora vistas em Pacaraima - de muitos migrantes nas ruas - relembram o estopim da crise humanitário em Roraima, o estado com a menor população e o menor PIB do país.

Fonte: G1

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