Texto do governo foi publicado em 24 de dezembro e prevĂȘ diretrizes para uso da força policial. Em manifesto, sete ex-ministros dizem que violĂȘncia 'desmedida' não combate o crime. Um manifesto divulgado nesta segunda-feira (30) por sete ex-ministros da Justiça e da Segurança PĂșblica afirma que o decreto editado pelo presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva (PT) sobre o uso da força policial dĂĄ mais credibilidade e transparĂȘncia às ações policiais, acrescentando que a violĂȘncia "desmedida" não combate o crime na prĂĄtica.
O decreto foi publicado no Ășltimo dia 24 de dezembro no "DiĂĄrio Oficial da União". Em janeiro, deve ser publicado um outro texto com a regulamentação de trechos desse decreto.
Decreto do Governo regula usa da força por polĂcias
Entre outros pontos, o decreto do governo Lula diz que:
arma de fogo não pode ser usada se a pessoa estiver desarmada (exceto em caso de risco ao profissional);
o nĂvel de força deve ser compatĂvel com a ameaça;
não pode haver discriminação (racial, por exemplo).
"Para além do discurso de carĂĄter meramente ideológico, é difĂcil não perceber que o decreto representa uma evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroĂda, em prejuĂzo à construção de uma sociedade mais segura, justa e pacĂfica", diz trecho do manifesto.
O documento é assinado pelos ex-ministros José Eduardo Cardozo, Raul Jungmann, Aloysio Nunes Ferreira, Tarso Genro, Nelson Jobim, Miguel Reale JĂșnior e Luiz Paulo Barreto.
Ainda no manifesto, os ex-ministros elogiam a decisão de se estabelecer de forma "clara" os protocolos sobre o uso da força policial, buscando garantir que as ações policiais sejam "proporcionais e adequadas à situação, com ĂȘnfase na proteção dos direitos civis".
"Não é um decreto que se volte contra as legitimas ações policiais. Pelo contrĂĄrio, visa a promoção de uma segurança pĂșblica mais cidadã e respeitosa, em benefĂcio, ao fim e ao cabo, de toda a população brasileira, bem como a vida dos nossos policiais de todas as hierarquias e das suas famĂlias", afirma o documento.
Para os ex-ministros, a violĂȘncia desmedida em operações não deve ser visa como solução para o combate ao crime, até porque, ressaltam, essa violĂȘncia "se volta contra brasileiros inocentes".
"Sem medo de errarmos, o que se buscou com o recente decreto foi fortalecer a transparĂȘncia, com a previsão de diretrizes para a criação de mecanismos de monitoramento e transparĂȘncia nas ações policiais, promovendo a divulgação de dados sobre operações e intervenções, bem como a implementação de programas de capacitação voltados para a formação de policiais, focando em direitos humanos e mediação de conflitos", acrescenta o manifesto.
PolĂtica não deve guiar discussões
Recentemente, casos de violĂȘncia policial tiveram repercussão em todo o paĂs, entre os quais:
o policial que jogou um homem de uma ponte;
o policial que agrediu uma senhora;
o policial de folga que deu 11 tiros em uma pessoa que estava de costas.
Sem citar caso especĂfico, o manifesto dos ex-ministros afirma que o debate "raso" sobre eventual interferĂȘncia da União sobre os estados "jamais poderia guiar a anĂĄlise séria sobre o tema".
"Entendemos, com o devido acatamento, que as reações exacerbadamente negativas ao texto podem ser fruto de um embate na arena polĂtica ou mesmo de desconhecimento do inteiro teor do decreto", completa o manifesto.
Decreto não fere autonomia, diz consórcio
Neste domingo (29), o Consórcio do Nordeste, que reĂșne os 9 governadores dos estados da região, divulgou um comunicado no qual elogiou o decreto do governo federal, afirmando, por exemplo, que as diretrizes federais estão em linha com aquilo que jĂĄ se tenta praticar nos estados, como o uso gradual da força.
"É importante destacar que o Decreto 12.432/2024 não altera a autonomia dos Estados nem as normativas jĂĄ estabelecidas. Ao contrĂĄrio, ele reafirma a centralidade da prudĂȘncia, do equilĂbrio e do bom senso no exercĂcio da atividade policial. Além disso, sublinha a necessidade de constante modernização das técnicas de atuação, promovendo mais segurança tanto para os profissionais quanto para a sociedade, sempre com a preservação da vida como prioridade absoluta", afirmam os governadores do Nordeste.
Na mesma linha, o Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica disse defender que as autoridades se unam no "aperfeiçoamento" das forças de segurança pĂșblica do paĂs e também no "controle do uso da força" por parte do Estado.
Para a entidade, a segurança pĂșblica "não pode ficar à mercĂȘ dos ventos dos interesses partidĂĄrios", independentemente do espectro ideológico.
"Por isso, o Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica entende que, ao contrĂĄrio de declarações de alguns governadores contra a edição do Decreto 12.341, a atribuição de regulamentação dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatĂĄrio, fato que só ocorre após a aprovação pelo Congresso Nacional, é atribuição exclusiva da União e não configura usurpação e/ou invasão de competĂȘncias dos estados e do Distrito Federal em matéria de Segurança PĂșblica", diz a nota da entidade.
'Presente de Natal'
Governadores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, por outro lado, criticaram o governo do presidente Lula, alegando, por exemplo, invasão das atribuições dos estados.
Governador de GoiĂĄs, Ronaldo Caiado, por exemplo, disse em rede social que o decreto do governo federal representa "grande presente de Natal" para o crime organizado por garantir o "engessamento" das forças policiais.
"O decreto impõe aos estados que, caso não sigam as diretrizes do governo do PT para a segurança pĂșblica, perderão acesso aos fundos de segurança. [...] O texto evidencia que a cartilha do governo Lula para a segurança pĂșblica foca apenas em crimes de menor potencial ofensivo", publicou.
Na mesma linha, o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, disse esperar que a população cobre "dos responsĂĄveis por esse decreto" quando "bandidos invadirem uma residĂȘncia".
"Para usar arma de fogo, as polĂcias estaduais terão que pedir licença aos burocratas de plantão em BrasĂlia", ironizou Castro.