O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai começar a julgar, nesta quarta-feira (13), se é possível autorizar a importação de sementes e o cultivo da cannabis sativa para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais.
O caso será analisado pela Primeira Seção, colegiado que reúne 10 ministros do tribunal e é especializado em temas de direito público. A decisão deverá ser seguida pelas instâncias inferiores da Justiça em todo o país.
A discussão envolve a possibilidade de se conceder a empresas a autorização sanitária para importação e cultivo de variedades da planta com a concentração da substância que é aplicada para a produção de medicamentos.
A questão não envolve o plantio ou legalização da maconha para uso recreativo, ou cultivo da planta para fins que não são terapêuticos.
O g1 explica os detalhes do processo e o que está em jogo no julgamento.
O que o STJ vai julgar?
Os ministros vão se debruçar sobre o recurso de uma empresa de biotecnologia que quer autorização sanitária para importar, plantar e cultivar cânhamo industrial, uma variedade da cannabis sativa. O grupo pretende explorar economicamente a substância, produzindo materiais a serem usados com fins medicinais.
A empresa sustenta que o cânhamo industrial tem quantidades baixas de tetrahidrocanabinol (THC), o que impediria o uso do vegetal de forma recreativa. E que ele tem mais 25 aplicações industriais distintas – entre elas, o uso medicamentoso, por conta da extração do canabidiol (CDB). Ou seja, na prática, o vegetal só teria potencial para uso farmacêutico, seria incapaz de causar efeitos psicotrópicos.
O grupo argumenta que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)já regulamentou a importação de extratos de canabidiol por quem pretende fabricar e vender produtos derivados de cannabis, mas as mercadorias são vendidas com alto valor no mercado nacional por conta de dificuldades na importação dos insumos. E entende que a permissão do plantio no país pode alterar este cenário.
Os autores da ação sustentam ainda que, sem a autorização para a exploração do produto, há violação do direito à livre iniciativa. A empresa defende que sua atividade será feita com fiscalização do Ministério da Agricultura e da Anvisa.
O que são THC e CDB?
O THC e o CDB são duas substâncias presentes na cannabis. O THC é popularmente associado à capacidade de criar as sensações apontadas como de euforia e de prazer, além de outros efeitos buscados por quem faz o uso recreativo. Contudo, o ativo também possui efeitos terapêuticos e é utilizado como antidepressivo, estimulante de apetite e anticonvulsivo.
O CDB é responsável pelo efeito relaxante. Na indústria farmacêutica, ele funciona como analgésico, sedativo e anticonvulsivo no tratamento de doenças como esclerose múltipla, epilepsia, Parkinson, esquizofrenia e dores crônicas.
O STJ vai julgar descriminalização ou legalização da maconha?
Não. O recurso deixa claro que a questão não envolve os aspectos criminais. Ou seja, não está em questão descriminalização de drogas, legalização ou qualquer tipo de liberação da maconha. Uma decisão sobre o tema não terá efeitos sobre a liberação da substância para uso que não seja terapêutico.
A ideia é liberar o plantio e cultivo de uma das variantes da cannabis com o objetivo de obter o CDB, que já é usado com fins farmacêuticos.
A Anvisa já autoriza a importação de produtos com princípios ativos extraídos da planta mas não permite a importação da planta in natura, nem para fins medicinais.
O STJ já tem decisões que concedem salvo-conduto para cultivo doméstico da cannabis, para atender a pessoas específicas, que precisam da substância por questões de saúde.
Como o processo chegou ao STJ?
A disputa jurídica começou com uma ação da empresa de biotecnologia na Justiça Federal no Paraná. Na primeira instância, o pedido foi negado. O Tribunal Regional Federal da 4a Região manteve a decisão.
As duas instâncias entenderam que a empresa quer uma "ampla autorização de exploração industrial da cannabis sativa", o que demandaria uma decisão política, ou seja, uma definição por parte dos Poderes Legislativo e Executivo.
No entendimento da Justiça Federal, a atuação do Poder Judiciário no caso fere o princípio da separação de Poderes.
Quem vai julgar o caso no tribunal?
O processo está sob análise da Primeira Seção, um colegiado com 10 ministros que é especializado em casos de direito público – processos que envolvem o Poder Público.
O caso que será discutido envolve a participação entes públicos - da União, do Ministério da Agricultura e da Anvisa.
A relatora é a ministra Regina Helena Costa.
Cabe recurso da decisão?
Sim, são possíveis, por exemplo, os chamados embargos de declaração, usados para esclarecer pontos do julgamento. É possível também recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso se entenda que a questão envolve direitos constitucionais.
Qual será o efeito da decisão?
A decisão será tomada no âmbito do chamado incidente de assunção de competência. Neste mecanismo, as conclusões dos ministros serão aplicadas em processos semelhantes em instâncias inferiores. Casos que se enquadram nesta situação estão suspensos por decisão da Primeira Seção.