Entenda a decisão do STF que permitiu servidores pĂșblicos CLT e sem estabilidade

Por Redação em 08/11/2024 às 07:30:37
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na Ășltima quarta-feira (6), que é vĂĄlida a mudança na Constituição que alterou o regime de trabalho para os servidores pĂșblicos, concluindo o julgamento de uma ação que jĂĄ tramitava hĂĄ mais de 24 anos.

A decisão tem potencial de promover mudanças no modelo de atuação do funcionalismo para o futuro, mas não acaba com os concursos pĂșblicos, nem encerra totalmente a possibilidade de estabilidade. O entendimento da Corte também não atinge quem jĂĄ estĂĄ no serviço pĂșblico atualmente.

Nesta reportagem, o g1 vai explicar os efeitos da decisão.

O que é regime jurĂ­dico Ășnico?

O que o Congresso Nacional mudou em relação ao regime jurĂ­dico Ășnico?

O que foi discutido pelo Supremo?

O que o tribunal decidiu?

O que esteve em vigor nos 24 anos de tramitação do processo?

Para quem vai valer a decisão?

Como serĂĄ implantada a mudança?

O que acontece com os concursos pĂșblicos?

O que acontece com a estabilidade?

O que é o regime jurĂ­dico Ășnico (RJU)?

O regime jurĂ­dico Ășnico (RJU) é um conjunto de regras que organiza o trabalho dos servidores pĂșblicos – trata de seus direitos, deveres, garantias, vantagens, proibições e penalidades. Regula, na prĂĄtica, a relação entre a Administração PĂșblica e os servidores.

A Constituição de 1988 passou a prever a obrigação de um Ășnico regime de pessoal para o serviço pĂșblico da União, estados, Distrito Federal e municĂ­pios. A mesma regra também vale para autarquias e fundações pĂșblicas.

A ideia era evitar que servidores – muitas vezes com as mesmas atividades – tivessem regimes de trabalho diferentes, como jĂĄ aconteceu na história brasileira antes da Carta Magna.

Antes de 88, havia situações de carreiras regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a lei usada para regular os trabalhadores da iniciativa privada, e carreiras com leis especĂ­ficas (os chamados estatutos próprios.) Dessas diferenças vieram as expressões "servidores celetistas" e "servidores estatutĂĄrios".

A Constituição padronizou o tratamento à questão, obrigando que a Administração PĂșblica tivesse apenas um regime jurĂ­dico para a relação com seus servidores. Estas instituições implantaram, então, o regime estatutĂĄrio, ou seja, aquele em que a relação entre governos e servidores obedece a uma lei especĂ­fica, um Estatuto.

No âmbito federal, a União usa a Lei 8.112, de 1990, o Estatuto do Servidor PĂșblico. Estados e municĂ­pios podem criar suas próprias leis.

Servidores estatutĂĄrios entram na carreira pĂșblica por meio de concurso pĂșblico. Além disso, adquirem estabilidade depois de trĂȘs anos de atividade. A estabilidade significa que a perda do cargo ocorre somente como punição em processo administrativo disciplinar, a partir de decisão judicial definitiva, ou como medida para o controle de desequilĂ­brio nas contas pĂșblicas.

Os trabalhadores das empresas estatais não estão neste grupo para quem o RJU é obrigatório – eles são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, instituições como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, Correios e Petrobras tĂȘm os chamados empregados pĂșblicos. Estes funcionĂĄrios ingressam na carreira por concurso, mas não tĂȘm estabilidade.

O que o Congresso Nacional mudou em relação ao regime jurĂ­dico Ășnico?

Em 1998, o Congresso Nacional analisou a proposta de reforma administrativa apresentada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Entre outros pontos, o texto retirava da Constituição a obrigação de um Ășnico regime de trabalho para os servidores.

Assim, uma vez em vigor, a Administração PĂșblica federal, estadual e municipal poderia escolher os seus regimes de pessoal, a depender de suas necessidades. Na prĂĄtica, poderiam voltar a conviver, por exemplo, servidores no regime estatutĂĄrio (com estabilidade) e servidores regidos pela CLT (sem estabilidade).

A emenda foi aprovada e passou a valer no mesmo ano.

O que foi discutido pelo Supremo?

No ano 2000, PT, PDT, PCdoB e PSB questionaram, no Supremo, pontos da reforma administrativa do governo FHC. Entre eles, a determinação do fim do regime jurĂ­dico Ășnico.

As siglas contestaram a forma como o Congresso aprovou a mudança na Constituição. Para o grupo, houve irregularidade no processo legislativo, jĂĄ que o texto da emenda não teria sido aprovado em dois turnos pela Câmara e pelo Senado.

Em 2007, a Corte suspendeu a aplicação da regra, até uma decisão definitiva sobre o caso. Com isso, a flexibilização caiu e a obrigação do regime jurĂ­dico Ășnico voltou a vigorar.

O que o tribunal decidiu?

Agora, em 2024, o Supremo concluiu o julgamento do mérito da ação, ou seja, o questionamento sobre a validade da mudança feita pelos parlamentares.

O tribunal entendeu que o processo de mudança na Constituição foi regular. Por 8 a 3, os ministros concluĂ­ram que não houve violação ao processo legislativo. Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques, FlĂĄvio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.

A relatora, CĂĄrmen LĂșcia, e os ministros Edson Fachin e Luiz Fux consideraram que a medida era inconstitucional.

O que esteve em vigor nos 24 anos de tramitação do processo?

Entre 1998 e 2007, a flexibilização do regime de trabalho dos servidores foi aplicada, jĂĄ que ela teve aval do Congresso. Até então, o Supremo ainda não tinha se pronunciado sobre o tema.

Em 2007, a Corte julgou o pedido de suspensão da regra. Os ministros atenderam à solicitação, tornando a medida sem efeito até um pronunciamento definitivo do tribunal.

Esta decisão foi mantida até o julgamento da Ășltima quarta-feira, em que o plenĂĄrio analisou a validade da mudança constitucional e deliberou sobre a questão.

Entre 1998 e 2007, com a vigĂȘncia da flexibilização, estados e municĂ­pios chegaram a implantar regimes de pessoal no serviço pĂșblico com o uso da CLT. Ou seja, contrataram servidores que não contavam com a estabilidade.

Para quem vai valer a decisão?

O Supremo deixou claro que a decisão que validou a flexibilização do modelo de atividade dos servidores vai valer para o futuro.

Assim, servidores que jĂĄ estão na carreira não sofrerão impactos – no funcionalismo federal, por exemplo, continuam regidos pela Lei 8.112, mantĂȘm a estabilidade, seguem um regime próprio de PrevidĂȘncia.

A determinação pode ter efeitos para quem entrar no serviço pĂșblico a partir da decisão da Corte.

Como serĂĄ implantada a mudança?

A modificação nas regras de atuação, mesmo para os novos servidores, não é automĂĄtica.

Para que a mudança no regime de trabalho de qualquer categoria ocorra, serĂĄ preciso alterar as leis que estabelecem a regulamentação das categorias. Estas normas devem passar a prever a aplicação do regime estatutĂĄrio ou a mudança para a CLT.

Modificações em leis só podem acontecer com votação no Poder Legislativo e sanção do Poder Executivo.

O que acontece com os concursos pĂșblicos?

A decisão do Supremo não alterou a exigĂȘncia do concurso pĂșblico para ingresso na carreira. Assim, esta forma de seleção de pessoal vai permanecer vĂĄlida.

A Constituição prevĂȘ o concurso como regra, e isso é aplicado mesmo para os casos dos atuais empregados pĂșblicos – os trabalhadores das estatais. Apesar de não terem estabilidade, eles são contratados após processo seletivo, que pode envolver provas e apresentação de tĂ­tulos acadĂȘmicos.

O que acontece com a estabilidade?

A decisão também não representa o fim da estabilidade.

CaberĂĄ aos governos federal, estaduais e municipais decidirem qual modelo de trabalho mais adequado para cada ĂĄrea.

Nas chamadas carreiras de Estado – aquelas que realizam trabalho que não tem correspondĂȘncia na iniciativa privada – a perspectiva é de que se mantenha o regime estatutĂĄrio (com estabilidade).

A alteração para o regime CLT (na prĂĄtica, o fim da estabilidade) pode ocorrer nas atividades que não são exclusivas do serviço pĂșblico, mas isso vai depender de aprovação da lei dos planos de carreira.

Fonte: G1

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