O México conhece neste domingo (2) quem serĂĄ o novo governante do paĂs. Apesar das eleições serem mais uma marcada pela disputa entre esquerda e direita, tem um marco que pode ser histórico: a primeira vez que uma mulher vai chegar à presidĂȘncia, em um paĂs assolado pela violĂȘncia de gĂȘnero. As pesquisas mostram Claudia Sheinbaum, de esquerda e apoiada pelo atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, e Xóchitl GĂĄlvez, de centro-direita e apoiada por uma coalizão dos partidos tradicionais PAN, PRI (que governou durante sete décadas até 2000) e PRD, nas primeiras posições. Sheinbaum lidera as intenções de voto. Ela aparece com 54% e é seguida por GĂĄlvez, com 34%. Em terceiro lugar estĂĄ o centrista Jorge Álvarez MĂĄynez, com 12% das intenções de voto. Mais do que eleger o próximo mandatĂĄrio, as eleições também podem mudar a polĂtica do paĂs, jĂĄ que 20 mil cargos estão em disputa, incluindo as cadeiras no Congresso e nove de 32 governadores.
A quase certa vitória de uma mulher para presidĂȘncia do México pode ter impactos não só no paĂs como na comunidade internacional. "É algo muito representativo para o sistema internacional, porque o México é um paĂs importante e as duas candidatas são qualificadas para o cargo. A vitória de uma com certeza pode marcar uma nova remodelação das democracias com mulheres ganhando poder", destaca Vitélio Brustolin, professor de relações internacionais da UFF e pesquisador de Harvard. "A mulher que for eleita vai ter que combater uma violĂȘncia absurda em um dos paĂses mais violentos do mundo. Ao mesmo tempo que tem questão do emponderamento, tem a necessidade de que quem assuma tenha uma visão estratégica e pulso firme para lidar com a violĂȘncia do paĂs e o trĂĄfico de drogas", complementa.
O cientista polĂtico Leandro Consentino vĂȘ essa mudança no cenĂĄrio polĂtico mexicano como um esforço que a sociedade tem feito em prol da igualdade de gĂȘnero, inclusive com leis aprovada de paridade para os trĂȘs poderes. "Não é simplesmente uma candidatura feminina tirada ao acaso, é a consequĂȘncia de um processo que jĂĄ vem se pensando do ponto de vista de examinar questões de gĂȘnero", observa o especialista. "Existe um desafio colocado aĂ para que essa candidatura não seja uma candidatura de uma mulher que aĂ vai poder ou não desempenhar essa questão, mas sim uma candidatura que seja a consequĂȘncia de um processo mais amplo e que seja, e que coloque a questão de gĂȘnero e da violĂȘncia de gĂȘnero na agenda central", acrescenta.
As eleições acontecem em um momento de alta violĂȘncia no paĂs, algo enraizado desde o inĂcio de uma ofensiva militar em 2006 contra os cartéis, que obtĂȘm lucros milionĂĄrios com o trĂĄfico de drogas sintéticas para os Estados Unidos, onde se abastecem com armas. Desde então, o México acumulou mais de 450 mil homicĂdios e mais de 100 mil desaparecimentos, segundo dados oficiais. As mulheres também são atingidas pela violĂȘncia: os nĂșmeros do governo registraram 852 feminicĂdios no ano passado. Especialistas ouvidos pela reportagem, destacam que essa votação estĂĄ marcada pela continuação ou não do governo de Obrador. "O atual presidente mexicano é uma liderança importante dos Ășltimos tempos, uma liderança que consolidou uma popularidade bastante interessante, só que em meio a um contexto bastante complexo, sobretudo pelo avanço da violĂȘncia urbana no México", explica o cientista polĂtico Leandro Consentino.
"Os narcotraficantes dominaram muitas instâncias e do ponto de vista eleitoral é algo complicado, porque costumam produzir divergĂȘncia de opiniões e, convivendo com um momento de alta criminalidade, é um barril de pólvora. Então hĂĄ uma preocupação do ponto de vista da segurança." Vitélio relembra que "o México estĂĄ com esse negócio de combater a violĂȘncia armada desde sempre, mas em 2006, quase 20 anos desde que uma estratégia foi lançada para combater os carteis. O crime organizado deixou mais de 500 mil mortos e 100 desaparecidos. São nĂșmeros de guerra. População tem treinado crianças para combater o crime. Esse é o nĂvel que a violĂȘncia chegou", destaca o professor. Consentino visualiza que, se as pesquisas se confirmarem e a candidata de esquerda vencer, a questão da violĂȘncia deverĂĄ ser tratada com um problema mais de desigualdade social. Agora, se a representante da direita for a eleita, haverĂĄ uma resposta "mais de força, mais de segurança, mais de enfrentamento com a questão da criminalidade".
Quando se fala sobre as eleições mexicanas, é preciso levar em consideração os Estados Unidos, que também vão às urnas neste ano para decidir a permanĂȘncia de Joe Biden no poder ou a volta de Donald Trump, que aparece à frente nas pesquisas eleitorais, mesmo com o mar de acusações e problemas com a Justiça que ele enfrenta. Caso a esquerda vença no México, como mostram as pesquisas, e a direita nos Estados Unido, a reemergĂȘncia do trumpismo complicarĂĄ a compatibilização com as pautas mexicanas. Para o governo do Brasil, do ponto de vista polĂtico, a manutenção da esquerda no poder é a melhor escolha. Contudo, mesmo que a candidata de direita ganhe, as relações vão permanecer. Dos 129 milhões de mexicanos, quase 100 milhões estão registrados para votar na eleição de turno Ășnico, vencida por maioria simples.
Fonte: JP