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Coronavírus eleva o patamar da filantropia no Brasil, mas apoio a empreendedores continua tímido

Por Redação em 01/07/2020 às 06:27:01

Recursos para os relief funds, fundos de auxílio a micro e pequenos negócios, representam pouco das doações de milionários e empresas durante a pandemia. Solidariedade S/A: doações para hospitais e comunidades pobres

A filantropia tem sido uma das principais medidas de alívio às camadas vulneráveis durante a pandemia do novo coronavírus. No Brasil, as doações para iniciativas beneficentes passam dos R$ 5,7 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos.

Os micro e pequenos empresários, contudo, ficaram desassistidos. Uma modalidade comum de filantropia nos Estados Unidos e Europa – e que ainda não ganhou musculatura no país – é a criação de "relief funds" (jargão em inglês para fundos de alívio empresarial), que dão apoio por meio de doação ou concessão de empréstimos a juros baixos para ajudar empreendedores a passarem por momentos difíceis.

Como o G1 mostrou em maio e junho, pequenos empresários enfrentam sérias restrições de acesso a crédito bancário e os programas emergenciais formulados pelo governo não destravaram os cofres para financiamento do setor durante a crise. Apenas nas últimas semanas algum crédito começou a chegar com mais impulso a esse público, com a liberação de recursos do Pronampe.

Daqueles R$ 5,7 bilhões doados por grandes empresas e seus donos, algo em torno de R$ 100 milhões foram mapeados pela ABCR como dirigidos aos relief funds brasileiros ou iniciativas semelhantes – menos de 2% do total arrecadado para filantropia. O número é preliminar e a entidade prepara um levantamento mais robusto sobre o assunto.

Mas o que é garantido desde já é que a parte dominante dos recursos de doação serviu para ações diretas contra a crise, como compra de leitos de UTI, respiradores, testes, e adaptação de linhas de produção para fabricação de álcool em gel ou máscaras.

Magic Johnson: estrela histórica da NBA formatou fundo para apoio a empresas de mulheres e negros nos Estados Unidos

Jonathan Daniel/Getty Images North America/Getty Images via AFP

Nos Estados Unidos, eram 400 iniciativas do tipo quando foi aberta a primeira no Brasil. A que mais repercutiu por lá foi a criação de um fundo de US$ 100 milhões, com aporte de Magic Johnson, empresário e antiga estrela da NBA, para empréstimos a negócios comandados por minorias, como mulheres e negros.

Inspirado nos Estados Unidos, quem fez frente no Brasil foi o fundo Estímulo 2020. A estruturação da iniciativa foi capitaneada pelo empresário Eduardo Mufarej, fundador da iniciativa de renovação política RenovaBR e do fundo de investimento GK Ventures, focado em educação.

"É fundamental que a sociedade civil se mobilize para apoiar o empreendedor no Brasil, dado que aqui há profundas dificuldades para se montar negócios – e quem quebra não se recupera", diz Mufarej.

O Estímulo 2020 começou captação em abril e angariou R$ 20 milhões na primeira rodada para garantir auxílio a cerca de 300 empresas. O dinheiro passou a ser emprestado em maio para negócios que não estivessem negativadas, tivessem dois anos de atuação e receita mínima de R$ 30 mil, entre outros critérios.

O aporte feito pelo Estímulo cobra juros de 4% ao ano, cerca de 20% da remuneração dos bancos tradicionais. A carência é de três meses e o prazo máximo é de 15 parcelas para quitação. A média dos empréstimos até o momento é de R$ 75 mil.

O programa foi levado para Minas Gerais, e chegou a R$ 100 milhões captados no Estado. Foi firmada uma parceria com a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e sua cooperativa de crédito para alavancar os empréstimos.

O fundo conseguiu angariar mais R$ 10 milhões para expansão para cidades do interior de São Paulo. A ampliação, agora, vai para o Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, que mostraram interesse em novos braços do Estímulo 2020. A captação está em curso.

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Nova economia

Projeto parecido é comandado pelo Sistema B, entidade de incentivo à economia sustentável. O órgão costuma certificar empresas, grandes ou pequenas, que tenham boas práticas sociais e ambientais.

Durante a pandemia, lidera o projeto CoVida20. Entre as ações, está um fundo de alívio que dá auxílio a novos negócios de impacto social. Entram nesse escopo construtoras de casas populares e produtoras de alimentos orgânicos, por exemplo.

"Estamos querendo beneficiar empresas dentro dos parâmetros da economia de impacto social e que estavam bem antes da crise", diz Francine Lemos, diretora-executiva do Sistema B.

A meta é chegar a R$ 20 milhões para cobrir três meses da folha de pagamento (salários e pró-labore de sócios) mais os fornecedores fixos dos selecionados. Até o momento, o fundo captou R$ 2,5 milhões.

Francine Lemos, diretora-executiva do Sistema B

Divulgação

Um colchão de risco, com recursos de filantropia, foi formatado com aportes de empresas como Magazine Luiza, Gerdau e Movida. Agora, o Sistema B procura investidores institucionais, que deem quantias acima de R$ 100 mil, além de pequenos doadores, a partir de R$ 500.

As duas classes de investidores terão rentabilidade de 0,5% ao mês, uma remuneração para incentivar o mercado de investimento em empresas de impacto.

Segundo o Sistema B, foram 200 inscritos no programa, mas, pelos critérios de preocupação social e ambiental, apenas 100 empresas foram aprovadas. "Precisamos acelerar a transição para uma nova economia, e acreditamos que estamos ajudando a fazer essa mudança no mercado brasileiro", diz Francine Lemos.

Ajuda à periferia

Em apoio aos negócios de impacto na periferia foi criado o fundo Volta por Cima, conduzido pela Artemisia. A organização sem fins lucrativos tem longo histórico de apoio empresas que façam a diferença para população periférica.

Com a crise, a Artemisia captou R$ 760 mil para auxílio de projetos sociais ou microempresas. Os empréstimos são de até R$ 15 mil a juros zero, com seis meses de carência e pagamento em até 12 parcelas. Caso o empreendedor não consiga devolver o dinheiro, o fundo não cobra. O que for devolvido será usado para refinanciar novos empreendimentos.

Entre os projetos auxiliados estão o Jaubra, serviço de transporte por aplicativo na região da Brasilândia, zona norte de São Paulo, e o Revolusolar, que instala painéis de energia solar na comunidade da Babilônia, no Rio de Janeiro.

"Muitos informais carecem de orientação e temos muitas oportunidades de desenvolver soluções adequadas. O próximo passo é criar mentorias para levar esses projetos adiante", diz Maure Pessanha, diretora da Artemisia.

Para Maure, a falta de relief funds no Brasil é uma mostra de juventude do ecossistema de filantropia no país. O investimento social privado, diz ela, olhou para outros temas urgentes e de ação direta, deixando de lado as oportunidades de desenvolver a inclusão produtiva, de informais e trabalhadores rurais.

"A pandemia escancarou a questão da trava de crédito e mostra como ONGs e bancos precisam desenvolver novas saídas além de uma simples nota de crédito", diz Maure. "É preciso atacar a desbancarização da população e olhar para oportunidades de investimento social estratégico nesse momento."

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Onde estão os milionários?

O abismo que separa Brasil e Estados Unidos não termina no número de iniciativas filantrópicas. O ato de doar, em si, é muito comedido por aqui.

Segundo o relatório Giving Report 2019, o montante doado pelo brasileiro anualmente equivale a 0,2% do PIB do país. Nos Estados Unidos, doa-se 1,4%. E, apesar de 70% dos brasileiros terem feito alguma doação nos 12 meses anteriores à pesquisa, a maioria a faz para igrejas e de forma não-recorrente.

O número para 2020 é mais robusto por conta da pandemia, mas a luta das associações filantrópicas é justamente fazer com que as doações deixem de ser algo casuístico. De acordo com os especialistas consultados pela reportagem do G1, a dificuldade de mudar o cenário tem relação direta com fatores culturais e entraves regulatórios.

A pesquisa Doação Brasil mostra que 84% dos brasileiros acredita que não se deve falar sobre as próprias doações. A má impressão teria a ver com as filosofias religiosas mais presentes no Brasil.

"Religiões anglo-saxãs e protestantes vêem como obrigação participar de ações da comunidade, trabalho voluntário e doações. É motivo de orgulho", diz Paula Fabiani, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.

"Nossa cultura majoritariamente católica acaba não percebendo de forma positiva esse posicionamento dos americanos, de mostrar o que doaram", afirma ela. "Precisamos de embaixadores que tomem a frente – ter mais artistas e figuras públicas doando – para criar uma cultura positiva. Pelo lado das ONGs, é preciso aprimorar relacionamento com filantropos e dar toda a transparência na prestação de contas."

Sobre o cenário regulatório, a pesquisa Donation States compara as facilidades tributárias para quem pretende doar. A conclusão sobre o Brasil dá conta de que o sistema tributário é complexo ao ponto de não dar segurança ao doador, e montado de forma que as leis de incentivo a doações façam com que empresas tenham menos encargos que pessoas físicas para doações de quantias semelhantes.

Eduardo Mufarej, fundador do fundo Estímulo 2020

Divulgação

"Nos Estados Unidos, há incentivo gigantesco para doações patrimoniais, com benefício fiscal, enquanto no Brasil temos o ITCMD [Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação], que acaba comendo um pedaço da doação potencial que seria destinada à filantropia", diz Eduardo Mufarej. "Precisamos pensar nos incentivos certos para aumentar a cultura de doação."

Segundo o empresário, só foi possível colocar o Estímulo 2020 de pé rapidamente porque uma entidade sem fins lucrativos estava aberta, e só foi necessário reativar. "Se entidades emergenciais pudessem ser criadas com mais agilidade seria um benefício enorme. O problema é perecível. Não adianta o dinheiro chegar no ano que vem", afirma o empresário.

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O sistema pouco amigável, as desvantagens para pessoas físicas doarem e a discrição pedida pelo lado cultural formam a equação para que as grandes empresas dominem as grandes ações filantrópicas. Os milionários brasileiros, portanto, acabam escondidos pelo CNPJ de suas companhias ou por fundações filantrópicas montadas pelas famílias mais ricas.

Há várias outras, mas entram nesta conta, por exemplo, o Instituto Península, da família Diniz, ou a Fundação Arymax, da família Feffer. O Península é um dos financiadores do Estímulo 2020. A Arymax, do CoVida20 e do Volta por Cima.

Fonte: G1

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